OPINIÃO

É possível viver da escrita?

Escrever é um ofício como qualquer outro, depende de dedicação, muitos anos de prática, comprometimento e paixão. Porém, como sobreviver de um trabalho que não permite que se arquem com os compromissos da vida diária? Não só no Brasil de hoje, mas ao longo de sua história, escritores que conseguiram retirar seu sustento exclusivamente de sua arte são raras exceções. Um caminho paralelo aos livros – porém aqui se tratando de um trabalho literário – pode ser a imprensa. Não à toa, mesmo os grandes gênios como Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Manuel Bandeira viveram de crônicas publicadas em jornais. 

Com isso, quem se dispõe a escrever o faz em tempos roubados de outras tarefas, ou nas madrugadas, quando todos em casa estão dormindo. Escreve-se nos finais de semana, nas filas de espera, numa brecha durante o horário de trabalho em outra área de atuação. E, teimosamente, tenta-se publicar o resultado desse verborrágico vício, desta alegre forma de se passar o tempo.

Também pouco original é a opinião de que, para quem quer escrever, o principal requisito é ler voluptuosamente. A leitura é a ferramenta mais útil para quem se dispõe a contar suas próprias histórias. E há tantas formas de se contar… Dizem que só há dois tipos de livros: os bons e os ruins. Os bons são aqueles que nos encantam, pelas razões mais diversas. 

Além de ler, claro, acho que para quem quer escrever, deve-se simplesmente escrever. Experimentar. Pegar uma trama de um conto, por exemplo, e a reescrever, mudando a personagem narradora, tornando o ponto de vista de primeira para terceira pessoa, virando o texto do avesso, tirando palavras que estão sobrando. A leitura em voz alta, num canto da casa, pode ajudar a limpar ornamentos que desenfeitam o texto, ao contrário de passar ao leitor exatamente o que se quis dizer. Hoje se pode publicar e se pode enviar textos aos amigos, nas formas digitais, nas plataformas várias e nas redes sociais. Um bom termômetro para sentir se o trabalho escrito agrada e colher opiniões que nos ajudam a definir melhor um estilo ou uma linha de trabalho.

Não entendo quem o faça dizendo que escrever é um grande sofrimento. Para mim, escrever é um prazer. Quem escreve, sofre, tem verdadeiros espasmos ao revirar as entranhas da memória, e ainda assim insiste, para mim ou está mentindo ou precisaria urgente de tratamento.

*Moacyr Vergara de Godoy Moreira (@moacyr_godoy_moreira_escritor) é médico, escritor, crítico literário e mestre em Literatura Brasileira. Publicou quatro livros pela Ateliê Editorial — Lâmina do tempo (contos, 2002); República das bicicletas (crônicas, 2003); e Ruídos urbanos (narrativas curtas, 2008); e Soalho de tábua — e o seu mais recente pela Editora Paraquedas, o “Um certo nascer ali”, editora em que prevê publicação de mais dois livros.