A semana começou pegando fogo na política roraimense com a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), nesta segunda-feira, que cassou o mandato do governador Antonio Denarium. Apesar do placar apertado de 4×3, esta Coluna já havia comentado que os indícios eram muito fortes e que já existiam precedentes de cassação muito semelhante ao que ocorreu ontem.
No artigo intitulado “Ação de cassação do governador, os precedentes e o conjunto da obra”, publica aqui, no dia 31 de maio, foram expostos fatos e números apontando que Denarium havia usado eleitoralmente o programa Cesta da Família, recriado em janeiro de 2022, após mudar o nome do programa social já existente em governos anteriores e de ter turbinado o número de beneficiários. E os números falam por si só.
A quantidade de beneficiários saltou de 10 mil para 50 mil inscritos em um ano eleitoral em que o governador concorria para a reeleição. O argumento de defesa do governador é que esse crescimento foi devido à crise migratória e à pandemia de Covid-19. Quiseram jogar tudo nas costas dos venezuelanos, mesmo que a migração em massa já havia começado bem antes da pandemia, porém nenhuma ação foi realizada por parte do governo local.
Os números não batem com o argumento da defesa do governador. O saldo orçamentário de 2020 foi de R$54,8 milhões em recursos emergenciais não utilizados em 2019, o ano da maior crise provocada pela pandemia de Covid-19. Em 2020, quando a pandemia ainda apavorava o mundo e rondava o Estado, as despesas pagas pelo governo em cestas chegaram a R$2,5 milhões. No entanto, em 2021, esse valor saltou para R$48 milhões!
Há uma grande discrepância nesses números, pois os anos de maior pico da Covid o governo deixou de gastar ou gastou muito pouco, passando a abrir a torneira dos cofres públicos a partir de 2021, que foi um ano atípico pelo fato de os políticos terem iniciado uma campanha eleitoral antecipada, a qual eles nem faziam questão de disfarçar. Passaram até a sortear bicicletas e motos em showmícios que disfarçados de “prestação de contas”.
Outro fato que precisa ser relembrado é que o programa Cesta da Família foi alvo da Polícia Federal nas eleições municipais de 2000, com apreensão de fichas cadastrais no dia 8 de novembro daquele ano, após denúncia de deputados de oposição sobre suspeita de crime eleitoral para beneficiar a candidatura a prefeito apoiado pelo governo. Em seguida, no dia 14, a PF apreendeu 10 mil cestas básicas que supostamente seriam usadas para compra de votos.
Os precedentes sobre cassação por abuso de poder econômico e político também falam alto. O então governador Flamarion Portela (chefe da Casa Civil de Denarium) teve a cassação confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2004, por ter aumentado o valor do Vale Alimentação (o embrião do Cesta da Família) e de ter concedido anistias e parcelamento fiscais. Foi uma cena muito semelhante ao que ocorreu nas eleições estaduais passadas.
Na campanha de reeleição de Denarium, que venceu com folga no primeiro turno, houve uma série de denúncias, entremeadas por operações da PF. Houve até denúncia de que o governo usou a Polícia Militar para monitorar e intimidar adversários, o que foi procedida de uma operação da PF que investigou a participação de policiais civis e militares em um suposto esquema de compra de votos, em setembro.
Houve até busca e apreensão na casa de policiais, quando agentes federais foram à casa de um PM que fazia a segurança de um empresário considerado o operador financeiro da candidatura de Denarium. E tudo isso em pleno período de campanha eleitoral.
Não se pode esquecer do ato governamental, faltando menos 100 dias para as eleições, em junho, repassando R$70 milhões em recursos extras para 12 municípios do interior. Além da canetada destinando quase R$105 milhões em contratos direcionados para supostamente realizar serviços nos 15 municípios, inclusive Boa Vista.
Nesse ínterim, ocorreu o episódio do terreno do complexo do Ginásio Totozão, no Parque Anauá, atualmente com suas obras paradas. Às vésperas das eleições, o governo decidiu pagar pela desapropriação do terreno em um acordo extrajudicial e sem respeitar a ordem cronológica de pagamento, por se tratar de um precatório.
Mesmo com uma ação judicial tramitando junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o governo fez um acordo que resultou no “pagamento amigável” da primeira parcela de R$22,6 milhões do total de R$ 45,6 milhões da indenização, pagamento este que a Justiça mandou estornar, mas o banco informou que o dinheiro já não estava mais na conta. E nunca mais se ouviu falar nisso.
Os fatos são tão similares ao que ocorreu no passado que o governador cassado Denarium poderá recorrer no cargo, como ocorreu com Flamarion em uma longa e dispendiosa disputa judicial. Da mesma forma que ocorreu com o então governador Anchieta Junior, cassado duas vezes no período de onze meses, em 2011, com ampla distribuição de camisas amarelas e circulação farta de carros fortes para pagar cabos eleitorais em dinheiro vivo.
Agora é acompanhar o desenrolar dos fatos, pois teremos um novo cenário político, cuja decisão sobre o futuro de Roraima estará nas mãos do TSE. Cenas dos próximos capítulos. Lembrando que quem sempre paga a conta é o povo.
*Colunista