A Justiça Federal determinou definitivamente que a servidora pública Nayra Barbosa de Souza, 36, e seus familiares desocupem a residência onde moram há mais de 30 anos no bairro Paraviana, na zona Leste de Boa Vista. A ordem de despejo, prevista para ser cumprida nesta quarta-feira (23), reacendeu o alerta na localidade, onde os moradores passaram a temer que novas decisões como esta voltem a ser expedidas, no contexto do antigo litígio envolvendo a Força Aérea Brasileira (FAB).
“Foi um baque muito grande, porque a gente estava confiando que não ia mais acontecer”, disse Nayra, ao lembrar da mobilização realizada por moradores da região em 2019, após receberem as primeiras ordens de despejo. Na época, a comunidade se mobilizou contra a situação, sob a justificativa principal de que possui escrituras públicas.
O Estado de Roraima entrou na briga ao oferecer à Aeronáutica uma área de 126 hectares (o equivalente a quase 130 campos de futebol) como forma de compensar a perda territorial, o que suspendeu os inúmeros processos judiciais a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o governo federal em ações na Justiça. Mas nessa nova decisão individual, a Justiça considerou que a tentativa de acordo com o Estado foi “infrutífera”.
Com isso, Nayra ingressou com um pedido para suspender a sentença e uma das alegações seria a de que o pai, Nelson Moraes de Souza, morreu em 2020 e, portanto, não poderia ser intimado da ação. “Agora não tem mais como intimá-lo, agora tem que procurar a minha mãe e minha irmã”, destacou.
Em junho deste ano, a FAB comunicou, em ofício ao deputado federal Albuquerque (Republicanos), que iria iniciar o desmembramento da área sob litígio – que abrange 90% do bairro -, onde cerca de 15 mil moradores, como Nayra, vivem. A Aeronáutica iria reverter essa região para a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), com a intenção de efetivar a regularização fundiária.
Para o presidente da Associação dos Moradores do Bairro Paraviana, Mariano Melo, essa seria a esperança para reverter a situação. “O que a gente pede hoje, imediatamente, é que os poderes públicos se sensibilizem, principalmente os nossos políticos, que interfiram através do Ministério da Defesa junto à Advocacia-Geral da União, e suspendam imediatamente todas as decisões judiciais de reintegração de posse, tendo em vista esse fato de que a Aeronáutica não quer mais a área”, declarou.
Segundo Melo, caso a Justiça entenda que os moradores do bairro deixem suas casas, o Paraviana deixará de existir, ficando apenas com suas áreas de proteção permanente. “Isso tá causando um transtorno. As pessoas aqui no bairro não estão conseguindo dormir em razão de deixar suas casas”, lamentou.
Albuquerque, que tem buscado intermediar a situação, disse ter solicitado que a FAB informe oficialmente à AGU sobre o desinteresse na área sob litígio. “Estarei na quinta-feira com o representante da AGU, em Brasília, pra levarmos esse ofício e fazer a Base entrar em contato pra que possa cessar esses mandados de desocupação”, afirmou.
O que dizem os órgãos
Citada em ofício da FAB, a SPU, por meio da superintendência regional de Roraima, informou que não foi consultada e nem participou de nenhuma tratativa acerca de reversão de parcela da área efetivamente destinada à FAB, desde 1977, e legalmente desapropriada, desde 1970, para fins de utilização no serviço público federal.
A SPU esclareceu que como a questão está sub judice, foge de sua atuação, “tanto o aspecto administrativo, haja vista jurisdição do Comando da Aeronáutica, quanto judicial, recaindo sobre a Procuradoria da União (PU/AGU)”. A superintendência ainda disse desconhecer “se há alguma tratativa perante alguma Câmara Técnica, no âmbito federal, sobre área em questão”, e “a situação atual de todas as ações judiciais” resolvendo o caso.
A Folha também solicitou o posicionamento do Ministério da Defesa, da AGU e do Governo de Roraima, e aguarda retorno.