OPINIÃO

O colapso das perspectivas

Ronnie Jefferson Valentim Silva*

Zygmunt Bauman, um dos maiores sociólogos da modernidade, em seu livro tempos líquidos anuncia que os novos problemas das sociedades estão na transposição do que antes era rígido (seguro, determinado, prescrito e certo) para o líquido (inseguro, indeterminado, dinâmico e incerto). Agora a cultura age como uma fonte infinita de mudanças constantes, assim, todo pensamento a longo prazo, qualquer plano para o futuro, está minado por um mar de novas possibilidades, instantâneas, que surgem e desaparecem em uma fração minúscula de tempo.

Se antes havia um “destino”, uma crença de que: esforçar-se, estudar, cursar uma faculdade, casar-se, traria necessariamente frutos maduros, como um bom emprego, uma vida salva das misérias sociais, uma vida com laços sociais permanentes, hoje, as mudanças inerentes ao nosso tempo (nas relações sociais, de trabalho, acadêmicas) faz com que essas perspectivas entrem em colapso. Se antes o casamento, de certa forma, era um acordo feito, senão para a vida toda, para muito bons anos, agora o casamento é cada vez mais desincentivado, as relações sociais estão transformadas em apenas mais um produto, que só é atraente quando se é novo, plastificado, estimulante e prazeroso em toda sua forma, assim quando as aparências e desejos ardentes dos anos iniciais de um casamento abrem espaço para a tranquilidade e para as responsabilidades (como os filhos), a possibilidade de aventurar-se em uma nova jornada de prazer tende a atrair, para novas relações, os indivíduos cativos pelo espírito moderno, consumista. As relações de amizades sofrem as pressões de um mundo altamente competitivo onde as conexões são geralmente formadas em torno da circunstância e utilidade, terminando quando qualquer uma dessas duas “possibilidades” se encerram: trocando de emprego, troca-se também os amigos, findando a universidade, finda-se também aqueles amigos, isso decorre dos procedimentos extremamente focados dos indivíduos no “si mesmo”, a busca por novas oportunidades de emprego, de melhor qualificação, treinamentos com viés estéticos está inerentemente impregnada na rotina das pessoas.  

É cotidiano um estudante que se dedicou a vida inteira a uma especialidade, por aquilo qual têm aptidão e simpatia, ao vislumbre de uma oportunidade imediata (melhor), colocar toda sua dedicação e simpatia de lado para empreitar-se em uma oportunidade que significa não uma sólida segurança, porém apenas um degrau que também deverá ser largado posteriormente quando surgir mais uma “nova oportunidade”. Com oportunidade se quer dizer uma forma de aprimorar a experiência individual – quase sempre a remuneração. A necessidade de aceitar novas oportunidades, em uma cultura cada vez mais cínica, supera a necessidade de relações, certos casais quando se encontram em uma bifurcação onde cada um está frente a uma oportunidade contraditória a relação conjunta, ambos estarão dispostos a largar a relação, em nome da oportunidade, por exemplo, se surge a oportunidade de mudar de cidade para um integrante de um casamento enquanto para o outro existe uma oportunidade local, é sancionado pela cultura que mais vale a oportunidade pessoal de se conseguir um novo emprego, melhor remunerado, do que manter uma relação, é mais fácil substituir um casamento, um amigo, uma família do que conseguir uma boa oportunidade. Por um emprego melhor a maior parte da população estaria disposta a largar sua cidade natal, com seus amigos, com sua família, com sua história, afirmando: lá conhecerei novas pessoas, farei novos amigos, terei novas histórias.

  O fim das perspectivas coloca em xeque as aptidões e simpatias naturais substituindo-as por pessoas cada vez mais dispostas ao “tudo por dinheiro”, onde teremos mais médicos, professores, advogados, inteiramente moldados por essa ideia, mais do que por convicções pessoais.

A cultura consumista moderna, eternamente multável, com a promessa de elevar o espirito individualista ao seu ápice, a um mundo de prazeres (ainda que solitários) acaba, no fim, retirando do homem suas relações sociais, afastando-o de suas aptidões, tornando-o, às vezes, estrangeiro no seu próprio lugar, com tudo isso, ampliando a insatisfação e destruindo os órgãos sociais que agora são geridos por pessoas apenas voltadas ao dinheiro.  

Ronnie Jefferson Valentim Silva

Acadêmico de Filosofia – UERR

Escritor de poesia, romance e filosofia.

Escritor autônomo para blogs e sites