JESSÉ SOUZA

Município pobre não é autorização para o desleixe e o descaso nas cidades do interior

Imagem divulgada pela PF da operação em licitações na Prefeitura de Alto Alegre desencadeada ontem (Foto: Divulgação)

Não se trata de um cenário específico de um município, mas de uma realidade generalizada por todo o Estado desde longas datas: as prefeituras dos municípios do interior não se preocupam sequer em manter a fachada da cidade bem cuidada, para ao menos causar boa impressão aos visitantes e turistas; ou para minimamente justificar as ações municipais de que estaria cuidando dos munícipes.

Chegar a qualquer cidade do interior é um chá do mesmo: matagal tomando de conta de tudo, calçadas ou meios-fios inexistentes ou mal cuidadas, ruas precisando de manutenção e praças abandonadas. Quanto mais se distancia da área central, mais o desleixo fica explícito, piorando quando se chega nas vicinais onde o desespero toma conta dos pequenos produtores principalmente no inverno.

Ser um município pobre não é autorização para manter o histórico desleixe que se apresenta principalmente na entrada das cidades. A impressão que se tem é que, deixar transparecer um cenário de pobreza, seria proposital para fazer as pessoas crerem que não há recurso para realizar as ações mais básicas. Esse argumento sempre está no discurso dos prefeitos, que é aceito pelos munícipes.

Mas a realidade mostra que não é bem assim. A operação da Polícia Federal desencadeada ontem, inclusive tendo o prefeito cassado do Município de Alto Alegre como alvo, convida todos a uma reflexão sobre a aplicação de recursos públicos nas cidades do interior, as quais são tratadas como “coitadinhas”, mas que, na realidade, são responsáveis por gerir uma boa quantia de recursos públicos, inclusive de convênios federais e oriundas de emendas parlamentares.

Se as fachadas das cidades sugerem que os municípios são pobres, por isso feias no visual logo na entrada, a realidade não corresponde aos fatos. Nem precisa fazer muitos exercícios mentais para comprovar a grande circulação de recursos públicos. Esta Coluna tem insistido em enfatizar que, em junho do ano passado, o Governo do Estado destinou R$70 milhões em recursos extras para 12 dos 15 municípios do interior.

A montanha de recursos foi agilizada a partir da autorização da Assembleia Legislativa de Roraima, cuja transferência emergencial foi amparada por decretos de calamidade pública oficializados pelos prefeitos por causa do inverno. Quem mora no interior, ou costuma transitar pelos municípios, sabe que nada ou quase nada mudou, apesar do dinheiro liberado faltando 100 dias para as eleições.

Logo em seguida, mais um anúncio beneficiando não apenas os mesmos municípios, mas também os demais restantes, quando o governo divulgou cerca de R$105 milhões em contratos para obras e serviços supostamente para limpeza urbana, abertura e conservação de ruas em vilas, remoção de entulhos, demolições de prédios, limpeza de escolas e prédios públicos.

E o que mudou de lá cá? A resposta pode ser vista por quem quiser ao chegar nos municípios do interior, onde sequer há um serviço de roçagem ou capina para melhorar o visual de quem chega. Isso fora os desmandos em outros setores, especialmente na saúde e educação, sem contar com a situação de estradas e vicinais, problema este que é de conhecimento público desde muito tempo.

O caso de Alto Alegre ilustra bem, pois as investigações apontam um desvio de R$60 milhões (quase o mesmo valor do que as 12 prefeituras receberam do governo para enfrentar o inverno) supostamente por prática de fraudes a licitações, pagamentos de propinas e lavagem de dinheiro. Mas esse é apenas um dos casos, pois existem investigações em outros municípios sobre desvios de recursos, inclusive da Educação Infantil.

O espaço seria pequeno para detalhar todas as denúncias e investigações dos últimos dez anos no interior de Roraima, comprovando que não é por falta de dinheiro que reina a penúria nos municípios do interior, e sim pelas antigas e velhacas práticas que persistem até hoje, conforme apontam as operações policiais e as denúncias feitas pelo Ministério Público.

Ainda há muito a ser explicado a respeito da dinheirama que se perdeu em algum desses boqueirões que existem nos municípios do interior. Essas transferências às vésperas das eleições passadas são fichinhas diante do que realmente se sabe nos bastidores. Há muito ainda para ser desratizado, mas isso não depende apenas dos órgãos fiscalizadores, da polícia e da Justiça. Tem muito a ver sobre como os eleitores decidem seus votos.

*Colunista

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