OPINIÃO

As Guardas Municipais e a confirmação de um protagonismo na Segurança Pública

Francisco Xavier Medeiros de Castro*

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, persistia a discussão sobre a legitimidade das Guardas Municipais (GMs) agirem sob o manto do “poder de polícia de segurança pública”. Por não estarem elencadas no caput do art. 144 da carta magna como órgãos componentes do sistema de segurança pública, as GCMs percorreram um limbo “identitário” por três décadas, e que dificultava o exercício pleno de suas atribuições e prerrogativas legais.

Por que o termo “poder de polícia” aparece acima adjetivado pela expressão “de segurança pública”? Porque as GMs sempre exerceram o “poder de polícia” tal qual definido pelo Código Tributário Nacional, qual seja “a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, […] à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.” Ou seja, sempre atuaram na condição de “polícia administrativa”, como diversas outras instituições governamentais não policiais. O que se debatia, no entanto, era se esse poder de polícia seria concernente às ações típicas de polícia de segurança pública (realização de abordagens, buscas pessoais, e eventualmente, condução de detidos à delegacia), uma vez que a Constituição Federal de 1988 previa somente a permissão constitucional para que os municípios constituíssem suas GMs destinadas à proteção de bens, serviços e instalações (§8º, art. 144, da CF/1988).

A recente decisão do STF, transcorrida em Sessão Virtual no período entre 18 e 25 de agosto de 2023, ao declarar inconstitucional todas as interpretações judiciais que excluam as GMs como integrantes do sistema de Segurança Pública, apenas ratificou as atribuições que já haviam sido definidas pela Lei Nº 13.022/14 (Estatuto Geral das Guardas Municipais). Constam na referida lei os princípios mínimos de atuação como o patrulhamento preventivo e o uso progressivo da força, atribuições que inevitavelmente aproximaram ainda mais a atuação das GMs da atuação das polícias ostensivas (Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal).

Além disso, a lei em referência definiu competências específicas, como por exemplo: prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais; atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais; garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas; encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário; auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e dignatários; e atuar mediante ações preventivas na segurança escolar, zelando pelo entorno e participando de ações educativas com o corpo discente e docente das unidades de ensino municipal, de forma a colaborar com a implantação da cultura de paz na comunidade local. Não se concebe a execução das competências acima sem uma atuação que, eventualmente, empregue técnicas como a busca pessoal e a abordagem sob fundada suspeita.

Via de regra, desde o momento em que os municípios instituem suas GMs, ocorre a imediata integração entre estas e os demais órgãos de segurança pública. Seja nas capitais, ou nas cidades com poucos habitantes, diversas operações policiais integradas entre as polícias e as GMs proporcionam ao cidadão um indubitável sentimento de segurança. A manutenção e o reestabelecimento da tranquilidade e da ordem nos logradouros municipais, praças e instituições municipais têm sido o foco das forças municipais de segurança. Em determinados Estados, a própria formação inicial e a formação continuada das GMs contam com a parceria das polícias estaduais, favorecendo desde o início um alinhamento estratégico e uma compreensão salutar sobre uma segurança pública verdadeiramente integrada.  

Presentes em aproximadamente 650 municípios brasileiros, as GMs há décadas contribuem com o poder público na preservação das chamadas posturas municipais, como típicos órgãos de polícia administrativa. Somado a essa evidência, a expansão e o fortalecimento do crime organizado no país têm fomentado o interesse de prefeitos em dotar suas GMs de melhor estrutura (equipamento e tecnologia) e maior efetivo.

Contudo, três observações acerca da decisão em tela merecem destaque:

1) Não existe precedência constitucional entre os órgãos de segurança pública. A Constituição Federal os apresenta de acordo com o nível governamental ao qual pertencem (órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal e, agora, dos municípios) não fixando qualquer parâmetro de “antiguidade” ou “hierarquia” entre eles, o que justifica a adoção da chamada “liderança situacional” em determinadas operações policiais integradas (quando um representante de um dos órgãos participantes atua como coordenador daquela operação, de acordo com o escopo da mesma). O próprio Sistema Único de Segurança Pública (Susp), através da lei nº 13.675/18 confirma esse entendimento ao enfatizar que “a integração e a coordenação dos órgãos integrantes do Susp dar-se-ão nos limites das respectivas competências, por meio de operações com planejamento e execução integrados”.

2) A decisão emanada pelo STF não atribui novas competências às GMs, pois elas continuam com suas prerrogativas em sua esfera de atuação (ressalvadas as atribuições dos outros órgãos policiais) que são a proteção de bens, serviços e instalações dos municípios, somadas aos princípios e competências conferidos pela lei Nº 13.022/14, conforme acima detalhado.

3) O monopólio da força estatal antes exclusivo das forças policiais federais, estaduais e distrital, passa a ser compartilhado com as GMs, que já eram autorizadas ao uso da força em condições excepcionais e sempre no âmbito de suas competências territoriais. A própria lei nº 13.022/14 atribui como princípio de atuação o já citado “uso progressivo da força”, que deve ser empregado de forma proporcional e equitativo nos casos de excepcional necessidade por parte dos agentes municipais.

Roraima é um Estado que se destaca em relação à institucionalização das GMs, onde um terço dos seus municípios dispõe de agências municipais de segurança: Boa Vista, Mucajaí, Caracaraí, Bonfim e Pacaraima (essa última em fase de implantação). Em todas essas localidades sempre se evidenciou a excelente relação profissional entre todos os órgãos de segurança pública; um fator que, sem dúvida, é estimulado pelo objetivo mútuo de se continuar proporcionando a merecida segurança e tranquilidade ao cidadão roraimense.

* Coronel da Polícia Militar de Roraima.