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Testemunha afirma que garimpeiro estava vivo quando foi amarrado e jogado no rio por militares

O Laudo do IML apontou que a causa da morte de Flávio foi insuficiência respiratória

Momento em que os corpos foram encontrados boiando no rio (Foto: Divulgação)
Momento em que os corpos foram encontrados boiando no rio (Foto: Divulgação)

Uma testemunha, que não quis se identificar, afirmou que o garimpeiro Flávio Luiz, de 34 anos, foi amarrado ainda vivo por militares do Exército Brasileiro. O relato ocorreu durante uma coletiva de imprensa, na tarde dessa sexta-feira, 29, no escritório do advogado das famílias das vítimas.

Flávio foi morto junto com Daivid Lucas Serrão Sousa, de 15 anos, rio Uraricoera, na região do Palimiú, em Alto Alegre. Os corpos foram encontrados por outros garimpeiros boiando no rio.

Durante a entrevista, o homem contou em detalhes como teriam ocorrido os homicídios. De acordo com ele, oito militares estariam envolvidos na ação, que iniciou no final da noite do dia 21 e encerrou na madrugada. Ele era quem conduzia a canoa que seguia para um garimpo com Flávio e Lucas.

“Eu tentei fugir, mas fui alcançado por eles. Quando eu levantei a mão, fui baleado com um tiro de borracha e parei a canoa. Ao mesmo tempo, eles deram uma rachada de fuzil. Eu vi as vísceras do Flávio sair, ele começou a gritar. O Lucas foi baleado nas costas, segurei ele nos braços, tirei a camisa dele, vi aonde tinha sido alvejado e pedi socorro, mas os militares não socorreram, eles só gritavam um com o outro e comigo”, relatou.

Hematoma da testemunha (Foto: Wenderson Cabral/Folha BV)

Ainda conforme o relato, Lucas teria morrido nos braços da testemunha. “O Lucas arriou os braços e não senti mais o coração dele. Nesse momento, alguém gritou comigo e mandou eu largar ele, que seriam feito o procedimento, eu acreditei nisso. Os militares me colocaram deitado de bruços, no porão da canoa e não consegui mais ver nada, apenas ouvia o Flávio gritar muito, pois estava com as vísceras de fora”, complementou.

O homem alega que para se salvar, pulou na água, mas foi pego novamente pelos militares. “Eu implorei para não ser morto. Disse que tenho filhos para criar. Um deles prometeu que não iria me matar, mas era para eu subir para o barco novamente”, contou.

Ele disse, ainda, que os militares começaram a dar rachada de fuzil para afundar a canoa. Em seguida, abandonaram a testemunha na mata.

“Eles fizeram pressão psicológica comigo, pegaram o nome da minha esposa, filhos, meu endereço e fizeram eu prometer que não vi nada. Além disso, me ameaçaram dizendo que se eu contasse o que aconteceu ali viriam atrás de mim. Mesmo sabendo que estou correndo risco, não posso me calar diante disso”, finalizou.

A irmã de Flávio contou que após saber que o irmão e Lucas haviam sido abordados pelos militares e não chegaram ao garimpo, foi até o Exército saber mais informações sobre o paradeiro deles.

“Nós ficamos embaixo de uma árvore esperando por notícias. Quando o soldado nos informou que não tinha sido passado nenhuma ocorrência para a base e nos orientou a procurar a Polícia Federal”, contou.

Ela foi até a sede da Polícia Federal (PF) e registrou um Boletim de Ocorrência sobre o desaparecimento dos dois. “Já corriam rumores que o meu irmão já estava morto. A PF não se manifestou e disse que não podia fazer nada porque era final de semana”, disse.

Em seguida, a mulher foi até uma Delegacia da Polícia Civil e registrou outro Boletim de Ocorrência.

Após vídeos dos corpos boiando no rio circularem nas redes sociais, foi feito o resgate por outros garimpeiros. As vítimas foram encontradas amarradas em um motor e com marcas de tiros.

Por conta do difícil acesso, os corpos foram removidos até a região do Paredão, em Alto Alegre, por garimpeiros. Em seguidas, trazidos ao IML por uma funerária.

“Nós queremos Justiça! Que os envolvidos na morte do meu irmão e do Lucas paguem pelo o que fizeram, pois foi muito cruel o que fizeram com eles”, finalizou a mulher.

Defesa

O advogado das famílias, Samuel Almeida, informou que foram protocolados seis ofícios juntos a Polícia Civil, Polícia Federal, Funai, Ibama, Ministério Público Estadual e Federal.

Advogado das famílias, Samuel Almeida (Foto: Wenderson Cabral/Folha BV)

“A atuação da defensa nesse momento vai ser de procurar as informações e levar aos órgãos competentes, justamente para atender ao clamor das famílias que é de Justiça, responsabilização penal, civil e administrativa”, disse.

Oficios protocolados junto aos órgãos (Foto: Wenderson Cabral/Folha BV)

Laudo do IML

De acordo com o laudo do IML, a causa da morte de Lucas foi choque hipovolêmico hemorrágico, perfuração de vísceras abdominais e hemopneumotórax bilateral por perfuração com objeto perfurocortante.

Já a causa da morte de Flávio, foi insuficiência respiratória, secção da traqueia por instrumento cortante e hemopneumotórax a esquerda.

Exército

O Comando Conjunto Ágata Fronteira Norte negou envolvimento e confronto entre militares e garimpeiros no Rio Uraricoera:

Sobre os questionamentos recebidos, envolvendo os dois corpos encontrados no Rio Uraricoera, o Comando Conjunto Ágata Fronteira Norte informa que não houve confronto entre militares e garimpeiros com vítimas fatais na data e região mencionadas, e que a atuação das Forças Armadas são pautadas pelos princípios de legalidade e legitimidade.