Foi no dia de aniversário de 13 anos da Folha de Boa Vista, em 21 de outubro de 1996, que chegou a informação de que bebês estavam morrendo no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth. A notícia foi apurada e, no dia seguinte, saiu a bombástica matéria no jornal impresso de que 31 recém-nascidos haviam morrido de infecção hospitalar no período de 20 dias naquele mês. Não apenas o fato foi confirmado pela direção da maternidade, como o número foi corrigido para 32 mortes no dia seguinte.
Desde lá, descobriu-se que o berçário da única maternidade pública de Roraima havia se tornado um cenário de horror, com a notícia se tornando um escândalo e atraindo toda a imprensa nacional para Roraima. Não só isso. A partir dali, a grande imprensa começou a descobrir que morriam bebês todos os dias por infecção hospitalar em boa parte das maternidades públicas brasileiras.
O descaso com a maternidade era flagrante, funcionando em um prédio sem as reformas e ampliações necessárias, nem os cuidados básicos com a limpeza e equipamentos sucateados. Pior ainda: descobriu-se que os médicos sequer faziam o procedimento básico de lavar as mãos antes de entrar para a sala de cirurgia. Tudo registrado pela grande imprensa e pela Folha de Boa Vista.
Em 2022, Roraima registrou 221 bebês mortos e, este ano, 28 recém-nascidos morreram só em janeiro. Desde outubro de 1996, quando 32 bebês morreram em 20 dias no berçário da única maternidade pública do Estado, a situação da infância roraimense nunca esteve em grande risco quanto agora, nestes primeiros dias de 2023.
A situação da maternidade debaixo de lona ,com muito tempo de demora, o Ministério Público Federal recebeu denúncia sobre o atraso na obra de reforma do Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth, bem como sobre mortes de mães e crianças no hospital improvisado debaixo de lona.
O que chama a atenção é que 27 anos se passaram e os seguidos governos ignoraram a grande tragédia das mortes nos berçários de 1996, deixando de tomar as devidas providências para construir uma nova maternidade, moderna e que atendesse à grande demanda diante do crescimento populacional. Nem sequer cuidaram de promover reformas e manutenções para amenizar o sofrimento da população e as más condições de trabalho.
A população cresceu, especialmente com a migração em massa de venezuelanos, deixando a situação da maternidade insustentável, diante do quadro histórico de abandono. Mas, em vez de resolver o problema, o Governo do Estado só complicou a situação, transferindo a maternidade para um local improvisado, debaixo de tendas cobertas de lona, desde junho de 2021, sob a alegação de que o prédio do Hospital Materno Infantil iria passar por reformas.
Recursos existiam, pois no período de 2019 a 2022, o Governo de Roraima recebeu mais de R$ 192 milhões destinados à saúde, recursos recebidos no primeiro governo da atual gestão, os quais foram originados de repasses de emendas parlamentares e dos programas do Ministério da Saúde. Parte desses recursos retornou aos cofres da União, como foi o caso de R$ 17 milhões destinados à reforma da maternidade. Aí está a grande questão, fato até hoje não explicado.
Com a reforma do prédio da maternidade paralisada e com mães dando à luz debaixo de lonas, a situação não poderia ter sido outra. Em 2022, Roraima registrou 221 bebês mortos. E este ano de 2023 começou com 28 recém-nascidos mortos somente em janeiro deste ano. Um escândalo abafado até hoje, sob o silêncio das autoridades, especialmente de quem deveria fiscalizar. São números bem parecidos do denunciado em outubro de 1996.
O fato é que, 27 anos depois, a maternidade pública segue sob descaso absoluto das autoridades e, depois de deixar recursos federais retornarem e de muitas inverdades pregadas em propagandas, agora o Governo do Estado coloca a maternidade dentro da lista de obras que serão beneficiadas com o empréstimo de R$805,7 milhões que será contraído com autorização da Assembleia Legislativa de Roraima.
É necessário que os órgãos fiscalizadores acompanhem tudo isso bem de perto, já que os deputados lavaram as mãos, por unanimidade, se esquivando de debater o projeto de lei do Executivo que pediu a autorização para contrair o empréstimo milionário. Histórico de descaso e inverdades já existe há quase três décadas, com vidas de bebês sendo ceifadas ao longo desse período. É uma tragédia que não comove mais ninguém, embora alguém precise ser responsabilizado por isso.
*Colunista