Quarenta e quatro mil pessoas morreram de 2011 a 2015 vítimas de câncer de fígado no Brasil. Além disso, outras 26 mil pessoas foram diagnosticadas com a doença no mesmo período, com 56% sendo em homens e 44% em mulheres. Os dados são da pesquisa “Carcinoma Hepatocelular: Barreiras ao Acesso, Diagnóstico e Tratamento no Cenário Brasileiro Atual”, que analisou os dados do DATASUS.
Mesmo com uma taxa de mortalidade tão elevada, o brasileiro é mal informado sobre a doença. É o que aponta uma pesquisa inédita realizada pelo Instituto Oncoguia, em parceria com a Bayer. Para entender como o brasileiro percebe o câncer de fígado, a pesquisa ouviu 1.500 pessoas, com idade entre 18 a 65 anos, em cinco capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Porto Alegre.
Segundo a análise da empresa farmacêutica, os estigmas de doenças como a hepatite viral e a cirrose alcoólica, que contribuem para o princípio do câncer de fígado, são as maiores barreiras que dificultam o sucesso de tratamentos desse mal no Brasil.
Por causa da ligação entre esses males, a crença popular tende a apontar que o surgimento do câncer está associado ao consumo excessivo de álcool, uso de drogas injetáveis ou vida sexualmente ativa de forma descuidada. Tal indicação afeta a percepção geral da doença, gera preconceitos e intimida pessoas a irem atrás de um diagnóstico.
O oncologista e membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Roberto Gil, comentou sobre o resultado da análise, que abordou 1.500 pessoas de diferentes faixas-etárias em todo o Brasil sobre conhecimentos em relação à doença. “Essa análise mostra um retrato cruel na qual pacientes já chegam às unidades de saúde com um estado tão avançado da doença, que uma cura já não é mais possível. Apenas por volta de 10% dos pacientes portadores do câncer chegam para realizar consultas na fase inicial dele, ou seja, com chance de cura”, relatou Roberto.
De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau), essa problemática também é constatada em Roraima, tanto que 14 pessoas morreram vítimas da doença em 2017, mas apenas quatro foram consultadas e tiveram o diagnóstico confirmado nos últimos três anos.
“Nós, como médicos, precisamos promover saúde. Estamos numa sociedade que praticamente nos empurra para a doença. E, com isso, vamos mudando hábitos sem perceber”, reforçou Roberto.
Número de unidades de saúde é insuficiente
Outra problemática apontada pela Bayer em seu relatório seria o descaso por parte do Governo Federal na criação de políticas públicas que divulguem a necessidade de exames de ultrassom, na falta de comunicação entre unidades básicas e ambulatórios de média e alta complexidade e carência na parte de infraestrutura.
Tal diagnóstico foi feito após entrevistas serem realizadas com 88 médicos que trabalham nas áreas de hepatologia e oncologia em todo o Brasil. Segundo estudo realizado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 2011 seriam necessários 375 estabelecimentos para atender, de forma integral, pacientes oncológicos no Brasil. Na época, existiam apenas 264.
Vivendo com a doença
O pastor Ricardo Felipe Ferreira, de 50 anos, que vive em São Paulo e foi diagnosticado com câncer de fígado em agosto de 2016, relatou a descoberta da doença e a sua luta diária para a cura. “Eu sempre tive uma disposição física muito boa e nunca tive o hábito de beber. Mas comecei a sentir muito cansaço. Desde a primeira consulta que fiz até o diagnóstico da doença, passou um período de quatro meses”, contou.
O tipo do câncer que Ricardo possui foi causado pelo acúmulo de gordura no fígado, ou seja, ganho de peso e consequente falha de processamento de gordura que passou a estancar no órgão. “Tento viver positivamente.
Acredito que passo por isso com um objetivo e batalho todos os dias com ajuda dos remédios, consultas e exames”, ressaltou.
Na época em que Ricardo foi à busca de um médico, ele estava morando no interior, o que dificultou o andamento do estudo de suas complicações. Atualmente ele está aguardando na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) por um transplante de fígado.
Sobre o fígado, o câncer e sua causa
O fígado é composto por vários tipos diferentes de células, principalmente hepatócitos, que podem formar variados tumores. O carcinoma hepatocelular (CHC) é causado pela multiplicação excessiva das células hepáticas na tentativa de reparar lesões no órgão. Esse mecanismo aumenta a probabilidade de erro durante a multiplicação e pode levar ao surgimento do tumor.
Segundo o hepatologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Flair José Carrilho, o carcinoma hepatocelular é a forma mais comum de câncer de fígado primário e é responsável por aproximadamente três quartos dos casos. “Alguns começam como um único tumor que se espalha para outras partes do fígado, enquanto outros começam como vários pequenos nódulos cancerígenos em todo o órgão. Este tipo é frequentemente visto em pessoas com cirrose. Em todos os tipos de tumores malignos do fígado, a doença pode sair do órgão e se espalhar para outros locais, o que chamamos de metástase”, explicou.
O principal fator de risco para o desenvolvimento de CHC é a agressão crônica às células hepáticas, acontecendo na maioria dos casos associados à cirrose, que pode ser causada por infecções pelos vírus das hepatites B e C, álcool e doenças relacionada à gordura, como obesidade, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica.
Além desses fatores, há a exposição às aflatoxinas, que são toxinas produzidas por fungos presentes em grãos e cereais mal armazenados, além de condições genéticas como hepatites autoimunes e hemocromatose hereditária.
Esse tipo de câncer é extremamente agressivo, porém silencioso, sendo frequentemente diagnosticado em estágios mais avançados, quando os sintomas começam a surgir, decorrentes da perda da função do fígado e também das lesões hepáticas pré-existentes.
Tratamento em Roraima
O Estado dispõe serviços como quimioterapia e cirurgias oncológicas, mas a grande quantidade de pacientes com diagnóstico tardio ainda é um desafio. Por isso, é necessário que a população se mantenha em alerta para qualquer sintoma e procure o médico assim que detectar qualquer alteração na saúde.
O primeiro contato deve ser com os postos ou centros de saúde (Unidades Básicas), onde o paciente será avaliado por um clínico geral e, se houver necessidade, encaminhado para tratamento especializado. Se confirmado o diagnóstico de câncer, o caso é direcionado imediatamente para tratamento na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon).
A Unacon não possui filas para os procedimentos de quimioterapia e todas as cirurgias oncológicas são realizadas em até 60 dias. Os pacientes também contam com grupos de apoio psicossocial.
Atualmente, a unidade conta com uma multiprofissional formada por médicos e profissionais de diversas especialidades, realizando atendimento ambulatorial, cirúrgico, de quimioterapia e cuidados paliativos, além de atuar na pesquisa da doença.
A unidade dispõe de oito leitos femininos e sete masculinos, além de dois leitos de isolamento. Com a inauguração do anexo do Hospital Geral de Roraima (HGR), que está em construção, a Unacon passará a ocupar todo o bloco A, ampliando a oferta de leitos em torno de 40 a 45.
O único tratamento não ofertado no Estado é a radioterapia, disponibilizado por meio de Tratamento Fora de Domicílio (TFD). No entanto, de acordo com a Sesau, a implantação do serviço de radioterapia em Roraima está caminhando para fase final e a previsão é de que as obras comecem nos próximos meses. (P.B)