Cotidiano

Mais de 60% dos mortos são jovens

De acordo com levantamento feito pela Folha, foram 31 mortes violentas em março deste ano, contra 11 no mesmo período do ano passado

Roraima registrou 31 homicídios durante o mês de março deste ano, conforme levantamento feito a partir de reportagens da Folha até a noite de ontem, 29. Quando comparado com o mesmo período em 2017, quando ocorreram 11 mortes violentas, houve um aumento de mais de 60% no índice de homicídios no Estado.

Conforme a estimativa populacional de Roraima, de aproximadamente 522 mil habitantes segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as 31 mortes podem ser consideradas um alto índice e colocam o Estado em um percentual de violência próximo a São Paulo (SP).

“São mais de 17 mortos por 100 mil habitantes. Números próximos aos de São Paulo, por exemplo, que no ranking da violência figura entre os oito estados mais violentos do Brasil”, afirmou o professor e pesquisador da Universidade Estadual de Roraima (UERR) e especialista em Segurança Pública, Carlos Borges. “É uma anomalia que se explica pelo ingresso das facções no Estado e o controle que exercem nos presídios”, completou.

PERFIL DOS CRIMES – Os homicídios se concentraram na Capital, com 19 casos em Boa Vista, sendo a maioria em bairros da zona Oeste. Dos demais casos, quatro ocorreram em Mucajaí, dois em Alto Alegre, dois no Cantá, um em Amajari, um em Caracaraí e outro em Caroebe. Mais um caso foi registrado em uma região de garimpo na Terra Indígena Yanomami.

Das 31 mortes violentas, 13 foram causadas por armas brancas, uma característica que é comum em Roraima, e outras 13 por armas de fogo. Mais quatro mortes foram causadas por agressões a partir de pedaços de madeira e outra não foi possível confirmar a causa da morte.

Em alguns casos, a polícia encontrou os corpos das vítimas com as mãos ou pernas amarradas por cordas ou com pedaços de pano cobrindo seus olhos e boca. “Tem-se então um quadro de absoluta barbárie social, como é este momento em que vivemos, em que geralmente jovens se divertem arrancando cabeças e dilacerando corpos, num macabro espetáculo midiático que em Roraima está se tornando frequente”, avaliou Borges.

60% das vítimas são jovens de até 30 anos

Sobre o perfil das vítimas, pode-se dizer que a maioria delas era composta por jovens, considerando que 18 das 31 vítimas tinham uma faixa etária de 14 até 30 anos. Nove eram adultos entre 30 a 60 anos e um idoso, de 65 anos. Outras três vítimas não tiveram suas idades confirmadas. Com relação ao gênero, a maioria é composta por homens, sendo somente duas mulheres entre as vítimas.

Para o coronel da Polícia Militar Jurandir Rebouças, escritor e especialista na área criminal há mais de 30 anos, o envolvimento dos jovens se dá por conta da facilidade de influenciar menores e envolvê-los no crime. “São pessoas em fase de formação da sua consciência, seu caráter, pessoas que estão em fase de desenvolvimento. Então, a juventude acaba sendo alvo”, analisou.

O especialista ressaltou ainda que a questão da impunidade e leis mais brandas em relação aos menores também contribui para que os jovens sejam alvo do crime organizado. “A verdade é que nós temos uma legislação, a meu ver, que privilegia muito o menor que pratica esse tipo ato. Essas facções acabam cooptando o menor, as crianças e adolescentes para a prática do crime porque no final das contas eles recebem uma penalidade mais amena”, criticou.

Além disso, Rebouças acredita que o alto índice de morte entre jovens também seja relacionado ao ingresso recente de criminosos na facção querendo “mostrar serviço”. “Os jovens estão matando e ao mesmo tempo morrendo. Isso infelizmente está ligado ao crime organizado”, afirmou. “Esses atos são como um rito de passagem. O jovem que quer integrar a organização criminosa tem que praticar certas ações para que possa se firmar no grupo. Acredito que tenha relação com isso, é claro, mas isso é uma intuição minha”, completou.

Falta de políticas públicas contribui para aumento da criminalidade

Para Carlos Borges, não se pode responsabilizar a pobreza, a desestruturação familiar ou falta de escola ou saúde para o aumento da criminalidade por ser de conhecimento geral que outros países, que apresentam números parecidos com o Brasil nestes quesitos, têm um índice de criminalidade muito menor.

Um dos maiores problemas, para o pesquisador, é a maneira como são desenvolvidas as políticas públicas no Brasil. Para o professor, o meio jurídico cria responsabilidades sem que o Governo tenha se preparado para desempenhar tal papel. “Quando se combina essas agendas e pautas prevendo a eficácia de resposta do Estado frente a elas, vê-se um retumbante fracasso. Isso vira um forte combustível para toda forma de violência”, afirmou.

Já para Jurandir Rebouças, a legislação criminal tem sido complacente com a prática da infração penal, dando espaço para a impunidade. Para ele, a legislação elaborada no âmbito do Congresso Nacional nas últimas décadas tem aprovado mudanças em benefício do infrator. “Sempre em prejuízo do cidadão de bem, que tem sido vítima disso”, declarou.

SOLUÇÕES – Os especialistas afirmam que uma integração entre os poderes públicos e os órgãos de segurança pública, com maior planejamento, seria um importante ponto de combate ao crime organizado.

A primeira delas seria unificar as informações para melhor planejar políticas públicas de segurança. Em segundo lugar, investir em inteligência para combater crimes de contrabando, tráfico de drogas e armas, considerando a fragilidade das fronteiras internacionais. Em terceiro, aperfeiçoar a formação do policial com conhecimentos bem sucedidas em outros países e ampliar a remuneração dos agentes.

Outra mudança seria revogar estratégias que estão em lei e que, na opinião do especialista em Segurança Pública Carlos Borges, não obtiveram o devido sucesso. Para o professor, revogar o Estatuto do Desarmamento também seria uma boa alternativa, dada incapacidade do Estado em proteger seus cidadãos e garantir-lhes segurança.

“Se ele [Estatuto do Desarmamento] funciona só para um lado, então é melhor que ele não exista. A verdade é que famílias inteiras estão sendo dizimadas todos os dias por aqueles que o Estado não alcança para tirar-lhes as armas”, afirmou. “Certamente, um cidadão treinado no uso de armas será aquele em condições de proteger sua família e sua residência. Países em que as armas são permitidas têm números de homicídios bem abaixo daqueles vistos no Brasil”, finalizou.

Governo do Estado não se pronuncia

Os dados citados nesta matéria foram apurados a partir das reportagens da Editoria de Polícia da Folha. Mortes por acidentes de trânsito ou afogamento não foram levados em conta.
Desde o início da semana, a reportagem da Folha tentou ter acesso a dados oficiais por meio da Secretaria Estadual de Segurança Pública e da Delegacia-Geral de Polícia Civil, assim como ações desenvolvidas para combater a violência em Roraima, porém não obteve retorno até o fechamento da matéria. (P.C)