OPINIÃO

Não há regras em uma guerra?

Infelizmente, temos assistido a duas violentas guerras ao redor do globo terrestre. A primeira, envolve Rússia e Ucrânia. A segunda, mais recente, envolve Israel e o grupo terrorista Hamas

Quando vemos pela TV as atrocidades cometidas em uma guerra, sempre nos perguntamos: Não há regras em uma guerra? Bem, a resposta é positiva, mesmo em uma guerra, há regras.

O principal limitador das guerras são os direitos humanos. Os direitos humanos podem ser conceituados como os direitos mais básicos e essenciais para a defesa da vida humana digna, ou seja, são aqueles direitos que, uma vez ausentes, retiram nossa qualidade de homens/mulheres, pois perdemos nossa identidade. Uma guerra deve respeitar os direitos humanos.

O desenvolvimento dos direitos humanos está intimamente atrelado às históricas guerras ocorridas no século 20 (Primeira e Segunda Guerra Mundial). Os primórdios dos direitos humanos estão ligados ao chamado direito humanitário que surgiu exatamente em razão de excessos cometidos em guerras. Após a Segunda Guerra Mundial e todas as violações de direitos ocorridas, especialmente o Holocausto, fizeram com que a comunidade internacional buscasse, mais do que nunca, meios de reprimir as violações aos direitos humanos, no plano internacional, especialmente em um contexto de guerra. Com isso, surgiu a Organização das Nações Unidas  – ONU, em 1945.

Em 1948, mais um passo foi dado, tivemos a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, esta declaração consolidou os direitos humanos em âmbito internacional. Nela, há uma lista de direitos fundamentais e básicos do ser humano, como o direito à vida; o direito à liberdade; e o direito à igualdade.

O passo seguinte a ser tomado pela comunidade internacional contra os crimes de guerra seria o Estatuto de Roma que veio à lume em 1998. Nesse estatuto, criou-se o Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, na Holanda. Este Tribunal Internacional visa dar efetividade à proteção dos direitos humanos, combatendo condutas que violem esses direitos. O Tribunal Penal Internacional julga crimes como o de genocídio (crimes que buscam exterminar uma etnia, raça ou grupo religioso); crimes contra a humanidade; crimes de guerra; e crimes de agressão. Portanto, há no âmbito internacional uma forma de se responsabilizar aquele que comete crime de guerra.

Entre os crimes de guerra previstos na Estatuto de Roma, estão: ataque intencional à população civil; bombardeio a edificações não defendidas e que não tenham objetivo militar; matar ou ferir um inimigo que se renda; ataques intencionais à hospitais e prédios religiosos; utilizar civis como “escudos humanos”; utilizar armas envenenadas etc, só para citar alguns.

Assim, cenas tais quais nós estamos vendo pela TV como o ataque à civis, ataque a campos de refugiados, explosão de bombas em áreas residenciais, são todos crimes de guerra, se comprovada a intenção direta de perpetrar tais ataques e pouco importando quem sejam os autores dos atos. Nós não podemos banalizar a violência. Não se pode atingir civis inocentes, quando se almeja acertar terroristas criminosos ou um inimigo de guerra. Vimos também o ataque a hospitais, outro crime de guerra, uma vez que em um hospital estão os feridos que, por sua vulnerabilidade, não podem ser objetos de ataques.

Entretanto, o ponto interessante é que, tratando-se de estados soberanos, um Estado só se obriga internacionalmente, submetendo-se à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, se ele assim o quiser. Ou seja, o Estado Soberano deve aderir ao tratado internacional e se submeter às regras contidas nele. No tratado, no caso em análise, o Estatuto de Roma, coincidentemente ou não, Rússia e Israel, dois dos Estados envolvidos nas batalhas atuais, não reconhecem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, assim como Estados Unidos e China, por exemplo. Dessa forma, as autoridades destes países não poderão ser punidas por crime de guerra com base no Estatuto de Roma. Para fins de curiosidade, o Brasil é signatário do Tratado e se submete aos seus ditames.

Infelizmente, o que nós vemos na prática, é o completo desrespeito aos direitos humanos, tratando-se a vida e a dignidade humana como algo completamente desprezível. Assistimos à morte deliberada de civis, incluindo crianças. Estas, sequer devem entender qual o motivo da guerra, seja ela na Ucrânia, seja ela em Israel. Quem, no final das contas paga o preço das decisões políticas alheias é o povo que muitas vezes não desejava a guerra. Aqueles que declaram a guerra e que enviam as forças militares ao campo de batalha estão bem longe das trincheiras, normalmente estão em um aconchegante gabinete.

Seja qual for o motivo pelo qual se declara a guerra, nada a justifica. Não havendo vencedores ou vencidos. A disputa de território entre ucranianos e russos deve ser resolvido no campo político e não no campo de batalha. Os ataques terroristas sofridos por Israel foram desprezíveis e todos os terroristas que participaram desse ato covarde devem ser presos, julgados e punidos. Violar os direitos humanos não é a solução adequada e racional para punir os atos terroristas ou conquistar inimigos, pois, dessa forma, deixamos de lado nossa própria essência de seres humanos racionais.

Rodrigo Parente Ferreira Dias graduou-se em Direito e Filosofia. É especialista em Direito Constitucional e Defensor Público do Estado de Minas Gerais.