Walber Aguiar*
Um minuto de silêncio, uma eternidade de alegria.
Maracanã lotado. Dia de vida, lembrança de morte. O povo calou por um minuto para pensar no homem, no discípulo, na dor de João. Podia ser qualquer um o portador de tal nome. Podia até mesmo estar na geral do Maracanã, com poucos dentes na boca e um rádio na mão. Ou ainda em casa, grudado fielmente na televisão.
Durante um minuto o tempo parou. Não se ouvia nenhum tipo de som. Apenas a homenagem muda, a emoção contida, a lágrima renitente. João de Deus estava ali. Na alma tricolor, na paz do branco, na esperança do verde, na intensidade do vermelho. Na expectativa de milhares de torcedores, sem rosto, sem cara e sem identidade.
Pontapé inicial. Jogo nervoso, como nervosa e agitada a vida. Coisa que mexe com a visceralidade, com a vontade de vestir a camisa 12 e provocar o milagre da vibração. Um grito de gol passeou pela garganta enquanto a bola procurou seu destino, enquanto o céu se abria para contemplar a grande arena carioca. Não era o coliseu romano, mas ali haviam gladiadores a defender as cores do time tricolor.
Ora, se João de Deus estava ali, nada mais se podia temer. Nem a interpretação confusa da arbitragem, nem as faltas que paravam o futebol arte. Primeiro gol, primeira lágrima, primeira manifestação do encanto. Estranhamente, a alegria se confundiu com a dor da perda de João. O silêncio virou euforia, a vibração experimentou o desalento. Ainda assim a sinfonia se fez presente; no toque sutil, na beleza da triangulação, no canto uníssono da vitória anunciada.
Segundo gol, segunda tentativa de ser feliz. Ainda que a fugacidade de 90 minutos não durasse a vida inteira. Mesmo assim, a alma de Dorval Magalhães foi perpassada pelo gozo da glória. Glória de torcedor inveterado, sofrido, fascinado. Longe de estar só, havia no inconsciente coletivo a mesma agonia, o mesmo grito. Ronam Pacheco, , tricolor doente, também fazia parte do espetáculo. Uma legião o acompanhava. Wander Menezes, Aiub, Túlio, Williams Silva, Magno David, Francélio, Futrica e toda a turma do “Dedinho”.
Terceiro gol. Até aqui a benção de João de Deus, do Deus João que se fez homem e expôs sua dor, sua alegria, seu sacrifício a todos. Quarto gol. Quarto delírio. Quarta chance de trazer o carnaval para o dia 3 de abril. João já não rezava no quarto. Estava calado, como calada ficou a torcida adversária. No entanto, sua presença era quase palpável. Na voz de homens e mulheres que carregavam os balões brancos da paz.
A partida estava terminando, mas o jogo da vida teria que continuar. Naquele domingo de alegria e glória, de dor e paixão, João de Deus apareceu na grande janela do Maracanã. Ouviu o grito, entendeu a alegria e estendeu, à semelhança do Cristo, suas mãos para abençoar.
O Flu foi campeão, a torcida explodiu e o flamengo caiu de quatro…
*Poeta, professor de filosofia, mestre em Letras, historiador e membro da Academia Roraimense de Letras