Enquanto aeronaves que dão apoio ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami continuam atuando, inclusive com recorrentes acidentes registrados, os políticos estão articulando a recriação de uma instituição que foi símbolo de corrupção no país em governos passados: a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Pelo menos essa é a proposta defendida pelo senador Hiran Gonçalves diante da presença em Roraima da alta cúpula do PP, sigla partidário do governador Antônio Denarium.
A proposta de recriação da Funasa precisa ser vista com olhar de desconfiança, pois a aproximação do governo Lula com o Centrão significa o velho toma-lá-dá-cá do fisiologismo já conhecido da política brasileira, em que a distribuição de cargos públicos é uma das moedas. Recriar a Funasa, então, seria mais uma forma de garantir mais cargos públicos e gordos recursos orçamentários para administrar nos estados, especialmente na Amazônia, pelos partidos do Centrão.
Desde governos passados, a Funasa foi alvo de seguidas operações da Polícia Federal não só em Roraima. É mais ou menos o que ocorreu até o governo passado com os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei), da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), onde a divisão de cargos públicos e seguidas operações policiais apontaram não só sinais de corrupção, mas a utilização de aeronaves contratadas para a saúde indígena usadas em apoio ao garimpo ilegal na Terra Yanomami.
Desde a época da Funasa, os mesmos políticos que historicamente se põem contra os direitos indígenas são os mesmos que têm loteado a saúde indígena. Eles não apenas foram responsáveis pelos seguidos escândalos de corrupção como também apoiaram o garimpo ilegal nas terras indígenas, principalmente nas votações no Congresso Nacional, votando a favor de projetos que abrem as terras indígenas para o garimpo e o agronegócio, assim como foi aprovado o marco temporal.
Esta Coluna já comentou o que ocorreu no passado sob as asas da Funasa e dos Dseis: assassinato de empresário de táxi aéreo Chico da Meta na disputa por licitação, incêndio da sede do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei-Leste), ameaças a lideranças indígenas, inúmeras manifestações dos povos indígenas e recorrentes denúncias de malversação. O caso mais emblemático foi o da Operação Metástase, em 2007, que levou 30 pessoas presas, incluindo a alta cúpula da Funasa e empresários.
Naquele ano, a PF investigou um esquema de desvio de R$34 milhões aos cofres públicos, cujas fraudes eram focadas nas licitações de serviços de transporte em táxi aéreo, contratação de obras de engenharia e aquisição de medicamentos. A Funasa concentrava todos os serviços e obras da saúde indígena. Um setor com orçamento bilionário até os dias atuais, o qual é disputado pelos políticos locais.
A proposta de recriar a Funasa reavia memórias ruins e práticas desabonadoras que já deveriam ter sido combatidas e extirpadas, mas que continuaram bem vivas em seguidos governos. O que se espera é que o governo Lula não ceda às pressões dos mesmos personagens que tentam tomar o país como refém de suas práticas, com severos reflexos na saúde indígena desde os tempos da Funasa, extinta após a corrupção endêmica. É preciso ficar de olhos bem abertos.
*Colunista