O caso da famosa apresentadora Ana Hickmann, agredida pelo marido, provocou o que pode ser chamado de “efeito binóculo”, em que as pessoas se comovem com um fato que ocorre longe da realidade do seu cotidiano, mas sem se sensibilizar com o que acontece perto delas. Há cerca de quatro meses, foram divulgados dados sobre a violência contra a mulher em Roraima, que se mostraram alarmantes, mas solenemente ignorados.
O relatório da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no dia 20 de julho, mostrou que, em Roraima, em 2022, houve crescimento de todas as formas de violência contra a mulher. Os dados só confirmam que o Estado não tem sido um bom lugar para o sexo feminino, nem para as meninas e muito menos para as mulheres adultas, vítimas de todos os tipos de agressão.
É importante lembrar do recente e estarrecedor caso da mãe da filha do ex-senador Telmário Mota, a qual foi executada com um tiro na cabeça, no portão de casa, às vésperas do dia em que iria dar seu depoimento a respeito da acusação de estupro de sua filha, cujo acusado é o ex-senador, ou seja, o próprio pai. O político está preso sob a acusação de ser o mandante do assassinato e teve mandado de prisão cumprido também pela acusação do estupro.
Longe de casos de grande repercussão, mulheres anônimas e pobres continuam sendo as maiores vítimas. Embora o Anuário tenha mostrado que os homicídios em Roraima apresentassem o menor percentual, no ano passado, em que apenas 9,1% dos registros foram tipificados com a qualificadora do feminicídio (aumento de 31 para 33 casos), nos demais casos houve um preocupante crescimento.
Casos de estupro e estupro de vulnerável saltaram de 553 ocorrências, em 2021, para 726 em 2022, um crescimento de 28,1%. Apenas os registros de estupro de vulnerável subiram de 405 para 554 casos. Tentativas de estupro ficaram empatados em 55 casos nos dois anos analisados. No entanto, aumentaram os números de estupro e estupro de vulnerável, passando de 541 casos para 665, um crescimento de 20,1%. Chamam atenção os dados de estupro de vulnerável, que saltaram de 398 para 501 casos.
A estatística ainda traz números de assédio sexual e importunação sexual, que teve um aumento expressivo de 95,1%. Registros de assédio aumentaram de 66 para 75. Os casos de importunação sexual subiram de 36 registros para 72. Também houve aumento de casos de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, saltando de 5 casos para 16, um aumento de 212,2%.
Casos de perseguição a mulheres (stalking) saltaram absurdamente de 51 para 205 casos, enquanto os de violência psicológica saltaram de 3.370 para 4.494 registros. Houve crescimento no número de medidas protetivas concedidas pela Justiça (de 1.586 para 1.883), bem como do total de ameaças (de 2.756 para 3.663). Os únicos números que registraram queda foram o de ligações de mulheres para o 190 relatando violência doméstica (4.914 ligações para 4.723).
Os números falam por si só. E os casos devem registrar crescimento outra vez no Anuário referente ao ano de 2023. Dentro desse contexto não tem apenas a falta de políticas públicas e de um engajamento da sociedade para encarar esses problemas, mas também a impunidade devido à morosidade dentro da polícia e historicamente no âmago da Justiça.
Basta lembrar que tem político local acusado de estupro, o qual segue livre como se nada tivesse ocorrido. Isso só mostra o quanto a impunidade e a falta de ações por parte da sociedade organizada deixam no limbo do esquecimento o sofrimento de muitas mulheres e crianças, as quais ficam invisíveis, sem o mesmo tratamento de uma artista famosa.
*Colunista