Após a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) aprovar a criação do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, a pedido do governo, representantes de grupos sociais que terão cadeiras no conselho falaram sobre as expectativas daqui por diante na efetivação de políticas públicas voltadas para os movimentos sociais.
O que esses grupos esperam e de que forma eles avaliam a criação do conselho? A reportagem conversou com quem está à frente de organizações que fazem parte do movimento negro e de religiões de matriz africana, e ouviu uma coordenadora da Secretaria Estadual do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes), responsável pela implementação do colegiado.
Para o presidente do Poder Legislativo de Roraima, deputado Soldado Sampaio (Republicanos), o conselho é um importante mecanismo para reforçar a participação da sociedade nas discussões que contemplem ações de reparação histórica. Ele avalia que deve ser um espaço de discussões que ajudem na proposição de projetos.
“Votamos o projeto para criar o conselho, um gesto importante e necessário do Executivo e do Judiciário para manter essa bandeira permanentemente em discussão e viva. E o Poder Legislativo não pode se ausentar dessa discussão até porque representa o povo e está aberto à sociedade. A História nos mostra que foram séculos de escravidão em nosso país, e o dia é um momento para refletir sobre esse período, com reflexos até hoje. Grande parte das pessoas em situação de vulnerabilidade é negra”, disse Sampaio.
Próximas etapas
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do segundo trimestre deste ano, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 73,7% da população de Roraima é preta ou parda. O índice está bem acima do nacional. Somadas ambas as cores de pele, o Brasil tem 55,9% da sua população composta por pretos e pardos.
A coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Setrabes, Rafaela André, explicou que o processo de criação do conselho durou quase dois anos e reuniu diversas organizações. Ela enfatizou que a política de igualdade racial é transversal, ou seja, passa por diferentes áreas, como saúde, educação e segurança.
“Como denunciar casos de intolerância religiosa, já que muitos chegam a uma delegacia e não são bem recebidos, ou os policiais não encaram o caso como passível de denúncia? E é sim! Injúria racial, violência policial, a saúde da população negra que precisa ter atenção específica, depressão pelas questões raciais… A educação também foi pauta levantada para que seja introduzida a história da África na grade escolar; a lei de cotas para concursos públicos. São pautas importantes que foram trazidas pelos grupos sociais”, detalhou a coordenadora.
A partir de agora, a busca pela implementação do conselho continua. Após a sanção da proposta pelo governador de Roraima, a Setrabes vai pensar na posse dos conselheiros, criar o regimento interno e buscar orçamento para efetivação das ações. A coordenadora frisou que, pela primeira vez, o Plano Plurianual (PPA) do governo prevê a aplicação de recursos em políticas de igualdade racial.
“Vamos criar um plano de política racial, após o plano vamos cobrar o fundo, para garantir recursos para que a política, de fato, exista. É mais uma caminhada que iniciamos. Alguns movimentos podem afirmar que esperavam há mais de 20 anos pela criação do conselho e só agora estamos conseguindo”, concluiu Rafaela, ao acrescentar que o conselho tem participação tanto da sociedade civil organizada quanto de representantes de órgãos públicos.
Luta contra a discriminação
A presença negra na sociedade vem ganhando espaço, ainda que a passos lentos. Leis criadas pelo Congresso Nacional, como a de Cotas, e nos Parlamentos Estaduais, como a obrigatoriedade de as delegacias de Roraima registrarem o crime de racismo, fortalecem a luta do movimento negro e pressionam o fim do preconceito e da discriminação. Por isso, a participação desses grupos marginalizados é tão importante no Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, porque eles sabem das demandas e necessidades.
As cadeiras do conselho serão destinadas a dez movimentos diferentes, com a maioria para pautas do movimento negro, entre eles: o da negritude, das religiões de matriz africana; das minorias étnico-raciais; da capoeira; e da defesa dos direitos à igualdade racial. O conselho chegará, assim, para reforçar uma atuação que já existe por meio da Coordenação Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Setrabes.
Para a coordenadora estadual da Central Única das Favelas Roraima (Cufa Roraima), organização fundada por jovens negros no Rio de Janeiro, Patrícia Souza, o Dia da Consciência Negra é uma data para enaltecer todos aqueles que se levantaram e ainda lutam contra o racismo. Ela afirma também que a aprovação do conselho abre espaço para dialogar em diversas frentes.
“O racismo não vem de hoje e, infelizmente, permanece. Acredito que teremos um grande progresso na discussão de ações efetivas com a chegada do conselho de política racial em Roraima. O Dia da Consciência Negra é uma data que não deveria ter apenas uma vez por ano, porque existe muito preconceito, muita desigualdade social, mas estamos na luta, erguendo bandeiras dos movimentos, para que tenhamos um Brasil melhor, um mundo sem preconceitos”, declarou a coordenadora.
Respeito
As religiões de matriz africana têm como características elementos da África, continente que viu seus filhos serem escravizados por vários séculos. A História revela que eles resistiram durante esse tempo, para permanecer com suas celebrações e crenças vivas. Os terreiros, templos de candomblé ou roças de candomblé, espaços onde ocorrem as celebrações religiosas, acolhem a todos.
O presidente da Federação de Umbanda, Cultos Afros Religiosos e Ameríndios do Estado de Roraima (Facuberr), Carlos Bakulê, fala que esse processo de resistência, que se iniciou na colonização, existe até hoje. Mesmo com todas as leis criadas no Brasil e em Roraima, o status de Estado laico, bem como a garantia de culto livre, o preconceito e a discriminação ainda existem. Para ele, o correto seria pensar em políticas para todos, não de maneira separada.
“Nós entendemos que continuamos na luta e na resistência para existir. Somos o último estado a criar o conselho da igualdade racial. São mais de 20 anos esperando, daí você observa a nossa luta. Não mudou nada, a luta de resistência em prol de uma população, e não deveria ser assim, não deveria ter essa partilha, deveriam ser políticas públicas para a população. Como posso dizer que é um Estado laico?”, questiona Carlos.
O presidente da organização menciona ainda que o que as religiões de matriz africana buscam não é o combate à intolerância religiosa, mas a garantia do respeito de todos os cidadãos. Carlos, que estava em um terreiro de candomblé em Boa Vista quando concedeu a entrevista, disse que as pessoas precisam viver sua religiosidade de maneira digna.
“Todo mundo é livre, mas quando você fala em religiões de matriz africana, e recentemente tivemos terreiros bombardeados, você é recebido nas discussões com tolerância, como se eu necessitasse ser aceito e depois ser escorraçado. Para nós, a palavra tolerância não existe, o que nós queremos é respeito. Somos cidadãos deste país, que deve resgatar nossos direitos, porque não pedimos para vir para cá, não chegamos escravizados, somos povos que saímos de nossas terras livres e aqui fomos escravizados. Por isso, o sentido é respeito”, enfatizou.
Carlos Bakulê afirmou que espera que o conselho seja um braço de atuação no governo, para que sejam implementadas as leis já existentes e aquelas que devem ser aprovadas no futuro. “Volto a dizer: para mim, não deveria ter um conselho de política racial, mas um conselho de raça que discutisse políticas para todos, com igualdade e equidade. Mas como essa é a política que existe, estaremos lá para não sermos esquecidos”, assegurou.