Diante das inúmeras abordagens de empresas e governos interessados em negociar créditos de carbono em territórios indígenas durante a COP28, em Dubai, o coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Toya Manchineri, foi incisivo com os mercadores: para avançar com a conversa é preciso, primeiro, demarcar as terras indígenas e garantir a conservação das florestas. A começar pelos 14 territórios que já passaram por todas as etapas administrativas da demarcação e que aguardam apenas uma assinatura do ministro da Justiça, Flávio Dino, para seguirem para a sanção presidencial.
“Não adianta negociar preço sem garantir a floresta em pé. Antes de negociar crédito de carbono é preciso demarcar os territórios indígenas. Sem demarcação, não tem floresta protegida e, sem floresta, não tem REDD+”, disse Manchineri, que representa os povos indígenas de toda a Amazônia brasileira, sobre a pressão de empresas em torno da implementação do REDD+, tema recorrente nos debates realizados na COP28, em Dubai.
O conceito desse mecanismo para negociação de crédito de carbono vem da COP13, quando surgiu a sigla REDD+, para se referir à redução de emissões por desmatamento e degradação florestal. Apresentado como um instrumento promissor contra o aquecimento global, o REDD+ vem sendo implementado há anos e o Brasil figura como um dos pioneiros nessa iniciativa. A comercialização de créditos de carbono no país, no entanto, ainda é cercada de polêmica por conta das violações de direitos das populações tradicionais que ocupam os territórios negociados e pela falta de regulamentação.
Agora, quem quer uma fatia do bolo são os estados da Amazônia Legal. Na conferência climática deste ano, o presidente do Consórcio de Governadores da Amazônia, governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), fez um apelo ao Congresso Nacional para que avancem as discussões sobre o mercado de carbono no país e que os Estados sejam incluídos no processo. Lembrando que o Pará, sede da COP30, em 2025, não tem feito nem o dever de casa e se mantém há anos no topo do ranking do desmatamento na Amazônia Legal, segundo dados do Imazon.
Nesse contexto, volta ao foco das discussões uma modalidade de REDD+ em que os governos federal, estadual e municipal assumem a responsabilidade pelo desenvolvimento de programas de proteção das áreas em situação de risco. É o chamado REDD+ Jurisdicional, uma modalidade que desperta dúvida e preocupação dos povos indígenas da Amazônia.
“Passados alguns anos do acordo de Paris, os estados subnacionais buscaram na COP28 parcerias públicas e privadas para ‘salvar’ a Amazônia com recursos provenientes do REDD+. Mas quem vai ser beneficiado? Os povos tradicionais ou os Estados?”, questionou o representante dos povos indígenas.
Toya Manchineri reiterou que a discussão sobre a construção de uma bioeconomia amazônica passa pela garantia dos direitos dos povos indígenas à terra. Fato ignorado pelo Congresso brasileiro, que insiste na criação de um marco temporal para a demarcação de territórios e, na última semana, derrubou o veto presidencial do PL2903.
“E, a partir daí, começa essa transição, visto que as terras conservam e preservam grande parte das florestas apenas utilizando seus conhecimentos ancestrais. Envolver esses povos nos debates e incorporar seus conhecimentos nos projetos, na implementação do REDD+ e em todos os programas de governo é o grande desafio”.