O ano de 2023 chega ao fim com as redes sociais sentadas sobre o cadáver de uma jovem vítima de mentiras disseminadas na internet, as chamadas fake news. Trata-se do trágico caso de Jéssica Vitória Canedo, de 22 anos, que abriu debate nacional a respeito de abusos, mentiras e manipulações na internet, bem como da liberdade de expressão e da responsabilidade nas redes sociais.
E o ano de 2024 começa antes do tempo ao colocar a imprensa diante do maior desafio de todos os tempos, que é manter a credibilidade e ao mesmo tempo encontrar meios de combater a propagação cada vez mais veloz de mentiras pelas redes sociais. Dentro desse bolo indigesto, está a discussão de Projeto de Lei nº 2630/2020, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, com tramitação bicameral no Senado e Câmara dos Deputados, que deverá ser votado ainda no primeiro semestre do próximo ano.
É uma situação complexa, que demandaria tempo e espaço para ampla discussão. Mas é importante destacar o grande pai da mentira que insuflou o quanto pôde a opinião pública contra a imprensa e os seus profissionais: o bolsonarismo, que se alimentou e se enrobusteceu com a disseminação profissional de fake news. Foi uma cópia vira-lata do trumpismo nos Estados Unidos, inclusive imitando uma invasão ao centro dos poderes constituídos.
De lá para cá, a imprensa foi obrigada a se olhar no espelho e a começar a provar que não produz fake news, tendo que se reinventar para não ser devorado por um movimento que não hesita em usar a truculência com qualquer profissional de imprensa que ouse a desafiá-lo. De certa forma, a imprensa saiu vitoriosa a ponto de o pai da mentira hoje se valer da imprensa tradicional para mandar suas mensagens de sobrevivência política – e não mais se utilizar tão somente de lives nas redes sociais, como ocorria no início do bombardeio à imprensa e a execração dos seus profissionais.
Mas, de outro lado, a imprensa ficou cada vez mais encurralada, com menos recursos e menos público, e não consegue mais fazer frente à enxurrada de publicações nas redes sociais e grupos privados de mensagens instantâneas, inclusive usando gratuitamente as notícias chanceladas pela credibilidade, compartilhando como se fossem suas, fato esse que contribui para ludibriar a opinião pública ao misturar verdade com mentira.
Enquanto a mídia tradicional não tem recursos financeiros e equipes suficientes para produzir notícias e informações seguras na mesma velocidade do que é replicado nas redes sociais, abre-se um campo amplo e incontrolável para propagações de mentiras e de todo tipo de manipulação. Aqui está o grande desafio que deve ser assumido pela imprensa e seus profissionais, sob risco de a grande guerra ser vencida pela mentira.
O “caso Jéssica” e da página virtual de fofocas “Choquei” (que tem conta nas principais redes sociais) precisa ser o limite da discussão. A não responsabilização das chamadas Big Techs, donas das maiores redes sociais, é um incentivo à proliferação de páginas e influenciadores sociais que não hesitam em mentir, manipular e propagar o ódio, além de se beneficiarem dos jogos de azar. Esse é um dos pontos que precisa ser regulado.
Quanto mais essa realidade se prolifera e se fortalece, mais a imprensa é devorada por um imediatismo on-line que não se preocupa com vidas, reputações e legislações. Então, o ano de 2024 vai começar com o desafio de regular tudo isso, a começar pela discussão do Projeto de Lei nº 2630/2020, chamado de Lei das Fake News, que precisa resguardar a liberdade de expressão e impedir a censura na internet, mas regulando conteúdos impulsionados e publicitários disponibilizados para que assim o usuário possa se defender.
Da forma que está, o grande público no ambiente on-line não sabe o que é um conteúdo produzido e compartilhado por pessoas comuns (publicação orgânica) e o que é um conteúdo impulsionado por dinheiro (conteúdo patrocinado). E isso precisa ser regulado para evitar o uso de robôs, ferramenta propícia para compartilhamento em massa de mentiras e manipulações de todo o tipo. 2024 começa com o maior de todos os desafios na grande rede.
*Colunista