À medida que nos aproximamos do final de mais um ano, é comum mergulharmos em um período de reflexões e projeções para o futuro. As festas de fim de ano costumam ser uma ocasião propícia para esmiuçar não apenas pormenores das nossas vidas pessoais, mas também problemas que nos afetam como sociedade. A saúde, por óbvio, não escapa a isso.
O acesso aos serviços de saúde, fundamental para o nosso bem-estar como humanidade, é peça central nas discussões contemporâneas, em especial se observamos a desigualdade gritante em diferentes partes do mundo. Aqui mesmo, no Brasil, enquanto uns celebram e compartilham momentos de alegria, outros vivem sob o peso de uma gigantesca interrogação: “Estou doente. Ficarei bem?”.
Em uma perspectiva global, a situação é ainda mais aguda. As disparidades no acesso se manifestam de maneira dramática se comparamos a situação, por exemplo, de um menino nigeriano e um menino britânico. Na Nigéria, as crianças frequentemente enfrentam grandes obstáculos para receber cuidados básicos. As limitações nos sistemas de saúde, a falta de recursos e as condições socioeconômicas adversas, fruto, entre outros, de séculos de colonialismo, contribuem para um cenário em que o atendimento médico de qualidade é um luxo. E em países europeus, a despeito da existência de sistemas de saúde mais sólidos, persistem lacunas e desafios únicos que impactam o acesso da população, indicando que mesmo nas nações “desenvolvidas” – cabem aqui muitas aspas -, a equidade nem sempre é garantida.
Além disso, convém discutir a saúde do planeta, que engloba, a propósito, seres não humanos. É tempo de examinar e mitigar os efeitos das nossas atividades no bem-estar dos ecossistemas que sustentam a vida, tendo em mente que aquilo que experenciamos localmente se interconecta com o que se passa no resto do mundo inteiro.
A saúde planetária nos instiga a compreender que a qualidade de vida do menino da Nigéria está intrinsecamente ligada à do menino da França. Devemos questionar nossas escolhas individuais – o que consumimos, o que fazemos com nosso lixo, até em quem votamos -, uma vez que afetam mesmo os que estão geograficamente distantes.
Podemos, junto com as celebrações de fim de ano, reafirmar nosso compromisso com a construção de um mundo em que o direito à saúde é verdadeiramente universal. Que a aproximação de 2024 nos inspire a semear e colher outro futuro. Que venha aí uma Terra com mais igualdade, justiça e dignidade para todos. Que amanhã de manhã, como disse Tom Zé, meninos e meninas, a felicidade desabe sobre nós.
Zeliete Zambon, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade