Cotidiano

Dez anos depois, o que mudou após a Operação Arcanjo?

Hoje, 18 de maio, é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Você lembra da Arcanjo? Uma operação que resultou na prisão de oito autoridades do Estado por reprimir o tráfico de entorpecentes, crimes de pedofilia, abuso sexual de menores e prostituição? No Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e dez anos após a Operação Arcanjo, a ativista de Direitos Humanos, Ivone Salutti, que esteve à frente de todo o processo, avalia a operação e o que mudou desde então.

Exemplar. Essa foi a palavra escolhida pela ativista para falar da operação. Para ela, a Arcanjo veio para desnudar uma prática de crimes de exploração, que era de conhecimento de uma parcela da população, e mostrar às pessoas com poder de mando, comando e dinheiro que as leis existem e devem ser cumpridas. Além disso, pontuou que as penas direcionadas aos réus fizeram com que a própria sociedade pensasse no ocorrido.

Em 2008, Ivone já havia trabalhado em três pesquisas sobre exploração e tráfico de pessoas e ouvido várias denúncias do que acontecia em Roraima com crianças e adolescentes. “Chegaram pra mim um dia perguntando se eu não queria dar um flagrante, porque sabiam onde as determinadas pessoas influentes do Estado se escondiam. Mas quem sou eu? Falei que a denúncia tinha que ser feita às autoridades competentes, mas disseram que a polícia não ia fazer nada”, lembrou.

Por ter estado à frente do processo na época, Ivone sofreu ameaças de morte e enfrentou momentos difíceis com a família e no ambiente de trabalho. Por outro lado, afirmou que a operação só teve desdobramento e finalização pelo fato de a denúncia ter sido levada à Polícia Federal. Após uma breve investigação, foi descoberto que, além dos crimes junto aos menores, ainda havia envolvimento de drogas.

A partir daí, foram seis meses de investigação junto ao Ministério Público e o Conselho Tutelar. À época, a PF realizou campanhas e apostou em uma forte divulgação, mas para Ivone, o ponto principal era o fato de não existir nenhum envolvimento dos agentes com as autoridades. “Dez anos depois, a violência continua. Roraima está no topo em relação à violência contra mulheres, crianças e adolescentes, apesar de ser um Estado pequeno”, avaliou.

DIFICULDADES – Mas o que fazer para mudar esse cenário? Para começar, ela apontou que as denúncias precisam ser levadas adiante, que não devem esbarrar em corporativismo e que, essencialmente, as vítimas sejam amparadas. Essa foi uma das coisas que deixou a desejar para a ativista. Com o término da operação, ficou clara a importância de prender os criminosos, mas, principalmente, de cuidar das vítimas e suas famílias, o que não aconteceu.

Na avaliação de Ivone, a rede de proteção do Estado não dá conta de cuidar de crianças e adolescentes que sofrem este tipo de crime de maneira efetiva. Em busca das meninas envolvidas no caso, ela constatou que não houve um acompanhamento psicossocial e de saúde que pudesse recuperar ou dar um novo rumo às vítimas. O que ela soube, na verdade, é que a maioria voltou à prostituição.

Como ativista dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, ela declarou que a maior preocupação não era apenas prender os criminosos, mas saber o que aconteceria com as vítimas. “A tendência é não levar a cabo o que as políticas públicas têm responsabilidade e deveriam fazer, que era cuidar das meninas e suas famílias, para que tivessem outras oportunidades. Para mim, quanto ativista, isso é doloroso, é grave”, lamentou.

A falta de comprometimento com a prática dos crimes também é um ponto negativo no cenário atual. Em alusão ao 18 de maio, uma roda de conversa junto às autoridades da segurança pública que estão envolvidas diretamente com os direitos das crianças e adolescentes foi marcada para hoje. Contudo, a falta de adesão por parte do público alvo forçou que o encontro fosse adiado.

Sem perder as esperanças, a ativista deixou um apelo à sociedade roraimense. “Não sejam coniventes com nenhum caso de abuso, seja intrafamiliar, extrafamiliar ou nas escolas. Olhem as crianças e adolescentes venezuelanos como filhos do Brasil. No território, eles gozam dos mesmos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em minha opinião, quem vê uma criança ser violentada e abusada e se cala, é tão criminoso quanto quem está praticando”, finalizou.

18 DE MAIO – No dia 18 de maio de 1973, uma menina de oito anos foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada no Espírito Santo. Seu corpo apareceu seis dias depois, carbonizado, e os seus agressores, jovens de classe média alta, nunca foram punidos. A data ficou instituída como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes a partir da aprovação da Lei Federal 9.970/2000. O “Caso Araceli”, como ficou conhecido, ocorreu há quase 40 anos, mas situações como essa ainda se repetem. (A.G.G)