OPINIÃO

O ladrão bom

Walber Aguiar*

A misericórdia triunfa sobre o juízo…   Tiago 2:13

Fazia frio quando ele acordou de madrugada. Angustiado pelos pesadelos que tivera, resolveu entregar a moto furtada. Não mais podia conviver com aquela situação de agonia e desespero. Melhor era ter a consciência tranquila e dormir em paz que viver sobressaltado.

Num de seus pesadelos, ele era perseguido por um bando de ratos. Eram tipos os mais variados. Grandes e pequenos, de gravata e colarinho branco, ratos do TRE, da Assembleia Legislativa, do Congresso Nacional, do Judiciário, do Executivo, da favela e até por ratos de escritórios de advocacia e da construção civil.

Suando frio, o bom ladrão foi alcançado. Os ratos conseguiram aumentar seus próprios salários. Agora consumiriam não apenas queijo, mas caviar e moet chandon; usariam canetas Mont Blanc e viveriam à sombra dos palácios de Brasília, comendo as gordas migalhas que caíam da mesa farta do orçamento.

O ladrão sonhou que vendia seu voto e nunca recebia o dinheiro nem a promessa feita. Os ladrões do erário público, liderados pelos “Ali Babás” da corrupção eram muito piores que ele. Com a consciência devidamente cauterizada, jamais devolveriam o dinheiro que desviaram do erário público, mesmo que a cadeia e o desprezo público fizessem parte de sua cínica trajetória.

De repente, o ladrão pensou em Deus. Evocou a divindade como último recurso. Viu Jesus na cruz e dois homens, um do lado direito e outro à esquerda. Um apelava para o perdão, outro para a arrogância. A partir daí assumiu o papel daquele que reflete sobre o mal e se arrepende. Diferente daqueles que vivem de nariz empinado, ostentando dinheiro e poder que não são seus.

Também pensou na igreja, no ouro do Vaticano e na esperteza vulpina de pastores que apascentam a si mesmos, vestindo pele de cordeiro e agindo como lobos roubadores. Gente que faz da igreja um trampolim político e financeiro, que exorta o povo a viver de forma correta e se cobre com os velhos panos da hipocrisia. São os megalomaníacos da fé, com seus projetos nababescos e faraônicos, em busca de se locupletar com a ingenuidade e a ignorância do povo.

Lembrou de Durkheim e das regras do método sociológico. Percebeu que a sociedade, comandada pelo “Leviatã”, de Hobbes, se tornara um monstro de mil cabeças, e que o capitalismo entrara num processo autofágico, em que devoraria a si mesmo.

Depois de tantos sonhos, pesadelos e reflexões, o ladrão entregou a moto. Ainda deu conselhos à dona do veículo. Já os ladrões do erário…

*Poeta, professor de filosofia, historiador, mestre em letras e membro da Academia Roraimense de [email protected]