“O meu povo não conhece o carnaval e o povo antigo do Salgueiro não nos conhece, mas também sofreu muito. Vamos unir as lutas dos negros e do povo Yanomami para defender nossa gente e impedir que continuem nos maltratando”, disse Davi Kopenawa, líder político Yanomami, que irá participar do desfile de carnaval da escola de samba Salgueiro, no Rio de Janeiro.
Titulado como “Hutukara”, que, conforme Davi, se refere ao planeta terra e abriga toda a vida que há nele, o samba-enredo da Salgueiro irá homenagear o povo da Terra Indígena Yanomami (TIY). Para ele, a frase “Ya temi xoa” (eu estou vivo ainda), presente na música, ressalta a resistência dessa população diante da crise humanitária que tem enfrentado.
O ativista comentou que o convite para desfilar com a Salgueiro ocorreu em agosto do ano passado, quando estava em São Paulo. Após a equipe da escola explicar a respeito da homenagem, Davi disse que aceitou porque seria uma forma de representar o próprio povo.
Em outubro do mesmo ano, o líder esteve no Morro do Salgueiro, no Rio de Janeiro. No último mês, ele retornou à capital carioca para participar de alguns ensaios da escola e auxiliou na escolha do samba enredo.
Com os povos originários do Brasil no centro do tema, o desfile da escola de samba acontecerá na madrugada desta segunda-feira (12), entre 0h e 0h20. Ao lado do xamã, desfilarão mais 15 Yanomami no Sambódromo Marquês de Sapucaí.
Kopenawa compartilhou à reportagem da FolhaBV que está ansioso pelo evento e acredita que será de grande importância para a TIY.
“É um canto muito forte, faz nos sentirmos mais fortes também. Outros povos indígenas vão escutar a música e sentirão a força da energia da natureza, que tem sido destruída pelo desmatamento. A música canta tudo que está afetando nosso planeta. Nossa água está poluída e cheia de mercúrio”, afirmou.
Confira a letra:
“É HUTUKARA! O chão de Omama
O breu e a chama, Deus da criação
Xamã no transe de yakoana
Evoca Xapiri, a missão…
HUTUKARA, ê! Sonho e insônia
Grita a Amazônia, antes que desabe
Caço de tacape, danço o ritual
Tenho o sangue que semeia a nação original
Eu aprendi português, a língua do opressor
Pra te provar que meu penar também é sua dor
Falar de amor enquanto a mata chora, (bis)
É luta sem Flecha, da boca pra fora!
Tirania na bateia, militando por quinhão,
E teu povo na plateia, vendo a própria extinção
“Yoasi” que se julga: “família de bem”, (bis)
Ouça agora a verdade que não lhe convém:
Você diz lembrar do povo Yanomami em dezenove de abril,
Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome,
Quando o medo me partiu
Você quer me ouvir cantar em Yanomami pra postar no seu perfil
Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito, nem a pau Brasil!
Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom
Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom
Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso,
Não queremos sua “ordem”, nem o seu “progresso”
Napê, nossa luta é sobreviver!
Napê, não vamos nos render!
YA TEMI XOA! aê, êa! (bis)
Meu Salgueiro é a flecha
Pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta
É um Brasil cocar!”