O que tem a ver a tentativa de golpe de estado, o garimpo ilegal, o povo Yanomami e o Carnaval no Rio de Janeiro? Aparentemente, nada! Mas os fatos ocorridos desde os primeiros dias do feriadão carnavalesco mostraram uma estranha conexão no país que assistiu o garimpo ilegal ressurgir nos últimos anos em todo o país, mas com força total na Terra Yanomami, quase dizimando um povo já debilitado desde a última corrida ao ouro nas décadas de 1980 e 1990.
Tudo começou com a Operação Tempus Veritatis, desencadeada pela Polícia Federal no dia 8 passado, que investiga a tentativa de golpe realizada entre 2022 e 2023, tendo como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), aliados políticos e membros de um núcleo de alto escalão das Forças Armadas. Nos mandados de busca e apreensão, foi preso em flagrante o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto, por posse ilegal de arma e usurpação de minerais por estar com uma pepita de ouro.
Aqui começam as conexões. A PF agiu rápido e emitiu um laudo atestando que aquela pepita de ouro possivelmente é proveniente de garimpagem ilegal. A identificação foi possível graças ao programa Ouro Alvo, realizado pela PF em parceria com universidades, que dispõe de um banco de dados que permite identificar a origem do mineral por meio de comparação com amostras em bancos de dados.
Valdemar Neto foi um dos grandes apoiadores de Bolsonaro e da tentativa de golpe que culminou com a invasão de 8 de janeiro deste ano à Praça dos Três Poderes. O governo bolsonarista, por sua vez, foi o principal articulador para a retomada do garimpo ilegal, concentrando todos os esforços políticos na liberação do garimpo no Congresso, em uma frente, e para a abertura das terras indígenas para o agronegócio e para a garimpagem, em outra frente.
Importante lembrar que, nesse ínterim, houve o caso de pastores negociando liberação de verba do Ministério da Educação com pedido de pagamento de propina em barras de ouro. Isso só para mostrar a grande teia que existia dentro de um governo que articulava um golpe e que mantinha como prioridade declarada a liberação do garimpo em terras indígenas, enquanto a Terra Yanomami era severamente atacada por garimpeiros.
Então, três dias depois que um político da alta cúpula bolsonarista era flagrado com uma pepita de ouro possivelmente retirada de um garimpo ilegal, quem sabe na própria Terra Yanomami, a Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro, levou para a avenida um tema do samba enredo em defesa do povo Yanomami.
Inspirado no livro “A Queda do Céu”, escrito a partir da narração do líder Davi Kopenawa Yanomami a Bruce Albert (Companhia das Letras), o tema levou ao mundo a saga do povo Yanomami, o maior grupo indígena da Amazônia que teve seu isolamento severamente atacado pela segunda onda da invasão garimpeira, apoiada por políticos e financiado por grandes empresários que direta ou indiretamente também financiam os políticos.
O enredista da Salgueiro, Igor Ricardo, comentou que a ideia do tema partiu do presidente André Vaz, quando começaram a ser divulgadas as reportagens sobre a situação dos Yanomami em Roraima, em janeiro do ano passado, quando a mineração ilegal provocou uma crise humanitária de desnutrição, malária, pneumonia e outros doenças que mataram principalmente as crianças.
Como o Carnaval carioca é uma vitrine para o mundo, a situação do povo Yanomami e as ações do garimpo ilegal no país irão ecoar como um pedido de socorro e um alerta em forma de samba enredo: “Tirania na bateia, militando por quinhão,/ E teu povo na plateia, vendo a própria extinção/ ‘Yoasi’ que se julga: “família de bem”, (bis)/ Ouça agora a verdade que não lhe convém”.
Salgueiro é a flecha lançada. E a operação da Polícia Federal precisa também chegar às demais conexões que alcancem a tirania dos maquinários que financiam os políticos e criam filhotes do golpismo.
*Colunista