Chegaremos ao Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, próxima sexta-feira, reverberando os números que já conhecemos de outras datas, os quais foram lembrados no início deste ano quando do fatídico caso da venezuelana cicloviajante e artista circense Julieta Hernández Martínez, de 37 anos, brutalmente assassinada por um casal em Presidente Figueiredo (AM), fato que ganhou ampla repercussão e gerou protestos.
Alguns dias depois, ainda na primeira semana de janeiro, outro caso brutal ocorreu em Roraima, o da jovem France Araújo Abreu, de 26 anos, morta a tiros pelo ex-companheiro que não aceitava a separação, executada na calçada da casa dela, no Município de Bonfim. Desta vez, não houve a mesma repercussão nem a igual indignação. Até hoje sequer a maior parte da imprensa publicou o desfecho do crime.
Naquele momento, já eram conhecidos os números do Atlas da Violência 2023, que é a estatística mais atual que aponta que o Estado de Roraima, mesmo apresentando uma redução de quase 41%, permanece nos dias de hoje como o Estado com maior taxa de homicídios femininos no país no ano de 2021, com taxa de 7,4 mulheres mortas a cada 100 mil, seguido do Ceará (7,1) e do Acre (6,4). E essa é a estatística mais atual, com a qual chegamos na semana dedicada às mulheres.
Por aqui, não ecoam mais as vozes que se levantaram no caso Julieta e, conforme esta Coluna conjecturou, o caso da jovem roraimense covardemente executada com um tiro no peito, em Bonfim, se tornou apenas mais um na estatística e ninguém mais lembra, a não ser os familiares que jamais irão se curar da dor da perda por causa de um feminicídio animalesco e covarde.
E a constatação de que nada avançou desde a grande indignação de janeiro no caso Julieta é o fato de que o Observatório da Violência contra a Mulher, que seria criado em Roraima com a finalidade de mapear o fenômeno da violência de gênero, não saiu do papel. E o 8 de março será celebrado sem que a sociedade tenha em mãos estatísticas atualizadas para que se possa conhecer a verdadeira dimensão da violência contra a mulher a fim de cobrar políticas públicas.
Para piorar o cenário, na semana passada, muitas mulheres surpreendentemente foram às redes sociais externar pena e apoio ao jogador Daniela Alves, condenado na Espanha sob acusação de estupro contra uma mulher durante uma noitada na boate. Quando a ótica deveria ser outra: a de enaltecer a Espanha por, desde o início da década de 2000, ter se tornado um país mais destacado mundialmente na luta contra o feminicídio, que é o assassinato de mulheres motivado por violência doméstica ou discriminação
O maior exemplo que a Espanha nos traz, neste momento, é que um jogador famoso vai para a tranca sem fiança e sem privilégios, com condenação no final, enquanto no Brasil basta ter dinheiro e influência para sequer ser incomodado pela polícia e pela Justiça. Tal feito só é possível porque lá houve um pacto do Estado sobre violência de gênero em 2017, que prevê um orçamento de um bilhão de euros em cinco anos para combater a violência contra a mulher.
Por aqui, nem estatísticas atualizadas temos para cobrar as autoridades e sequer os políticos falam em orçamento para enfrentar a violência contra a mulher. Ao contrário, as estruturas do poder público estão sucateadas e os órgãos e entidades trabalham com orçamento mínimo, para não assinalar ridículo, que mal dá para fazer aquelas campanhas publicitárias meia-boca que se repetem a cada 8 de março.
*Colunista