No cotidiano, é comum se deparar com crianças que resolvem brincar de namorico ou buscam por relações já na infância. Esse comportamento, que pode parecer inocente e, para muitos pais, bonitinho, pode pôr a saúde mental de crianças em risco, uma vez que a brincadeira possui uma temática adulta.
De acordo com a conselheira tutelar do terceiro território de Boa Vista, Andressa Ferreira, quando uma criança é exposta a determinadas atitudes de conotação sexual, ela passa por um processo de normalização daquilo, fazendo com que a criança ache normal quando um adulto desconhecido tenta esse tipo de aproximação.
“O acesso a conteúdos explícitos é muito fácil para a criança. Isso gera condutas adultas precoces. Comportamentos como estimular uma criança a beijar na boca de parentes ou achar bonitinho quando ela faz isso com um amiguinho a fazem pensar que está tudo bem e não vê problemas na abordagem desse tipo de um adulto”, explicou.
Andressa também mencionou que, mesmo que não haja um abuso por parte de um adulto, a própria criança passa a ter uma mentalidade e comportamento que é comprometedor para a formação de seu senso de pudor.
“A criança tem que brincar. Apesar disso, existem algumas brincadeiras que estimulam de forma inconsciente certo tipo de conduta, então é nesse sentido que o Conselho Tutelar entende não ser saudável para ela que não haja um ensinamento de pudor, mas sim o contrário. Isso faz com que ela não consiga se resguardar”, ressaltou. (P.B)
Entretenimento e educação de pais contribuem para exposição
Segundo o psicólogo do Hospital da Criança Santo Antônio, Agostinho Chagas, culturalmente, existe uma superexposição de crianças a temáticas consideradas adultas, seja através da internet, da televisão ou na observação do comportamento de adultos que acentuam sua sexualidade através de vestimentas ou danças.
“Eu atendo, em uma semana normal, em média três crianças que já foram abusadas sexualmente. No geral, após a naturalização do abuso, a criança traz aquilo para sua vida. O impacto varia de cada criança. Mas eu já atendi uma menina de oito anos que, por exemplo, passou a vestir roupas provocantes, falar de sexo de forma espontânea e querer entrar no banheiro dos meninos, após ser abusada aos seis”, ressaltou.
Sobre impactos desse tipo de contato, o psicólogo afirmou que os efeitos podem ser demonstrados não apenas na mentalidade, mas na própria formação corporal. “A criança precisa ter o conhecimento de que não está na fase para certos tipos de comportamentos. Essa exposição precoce da criança faz com que a própria puberdade chegue mais cedo. Existem meninos que tentam se masturbar antes da puberdade, e meninas que, hoje em dia, menstruam aos nove anos. Além de outras que aos dez anos ficam grávidas e, devido ao corpo ainda estar em desenvolvimento, é considerada de risco para a mãe e o bebê”, relatou.
Apesar disso, Agostinho Chagas afirmou que, antes de os pais tomarem decisões precipitadas no caso da criança aparecer com um ‘namoradinho’, é preciso entender como aquela relação funciona. “Reagir de maneira positiva ou negativa a esse tipo de coisa só piora o problema, na minha percepção. Os pais precisam estudar a relação. Perguntar o que as crianças costumam fazer juntas, entender a relação de companheirismo delas, sem sugestões. Pergunte e deixe a criança discorrer”, contou.
Para a psicóloga Georgia Moura, o núcleo do problema está na própria forma de educar dos pais, que acabam expondo os filhos a situações que podem não ser apropriadamente absorvidas por crianças. “Cada vez mais cedo, os próprios pais incentivam a sexualidade, já não bastasse tanta informação que é um desserviço, em programas que mostram crianças ficando com coleguinhas de escola, que namoram e até falam em casamento, e quem deveria cuidar, educar e proteger é quem mais incentiva”, acentuou. “Muitas vezes descobrimos nos consultórios de Psicologia que adultos traumatizados, com dificuldades de relacionamentos, são decorrentes de experiências erotizadas na infância”, concluiu. (P.B)
Conselho Tutelar articula campanha de prevenção à erotização precoce
Ainda de acordo com a conselheira tutelar do terceiro território de Boa Vista, Andressa Ferreira, uma campanha de conscientização, voltada tanto para crianças quanto adultos, sobre os perigos da erotização precoce será realizada.
No Amazonas, a Secretaria do Estado de Assistência Social lançou uma campanha na internet chamada “Criança não namora! Nem de brincadeira”. A campanha, iniciada em abril do ano passado, gerou grande repercussão e levantou diversos debates quanto ao tipo de comportamento que crianças são expostas em idade precoce.
Andressa explicou que a ideia era de trazer essa campanha para Roraima desde o ano passado, mas, devido à falta de apoio, acabou não ocorrendo. “A campanha que teve no Amazonas repercutiu bastante e levantou um debate intenso na sociedade. No ano passado, nós tentamos trazer ela para cá, mas ninguém ficou interessado”, contou.
Apesar disso, a conselheira tutelar relatou que o órgão ainda tenta trazer a campanha para o estado e que está progredindo aos poucos. “Este ano, já estamos conversando com alguns órgãos que estão inclinados a dar apoio, mas o apoio de instituições ainda é muito carente”, relatou. (P.B)