JESSÉ SOUZA

Um troféu para mostrar nesse crítico cenário de seca extrema e incêndios

Placa alertando sobre queimada na entrada de Tepequém: ação para turista ver
Placa alertando sobre queimada na entrada de Tepequém: ação para turista ver

As autoridades já têm um troféu para exibir nesse período de incêndios e queimadas descontroladas em Roraima: um tuxaua preso em flagrante acusado de incêndio criminoso em uma comunidade indígena de Bonfim. Até agora, nenhum fazendeiro preso por mandar atear fogo em áreas de mata com a finalidade de abrir áreas para pasto de seus gados.

Apesar de haver imagens de satélites à disposição e a possiblidade de usar drones para identificar de onde partem os incêndios, não há notícia de que alguém tenha sido ao menos notificado ou preso nas áreas do arco do fogo, onde não só existem terras indígenas como também grandes proprietários de terras, a exemplo do Município do Amajari, ao Norte do Estado, cercado por fazendas.

Na semana que se passou, depois que as poucas chuvas cessaram na região, os incêndios recomeçaram no Amajari, abaixo da Serra do Tepequém, o principal ponto turístico de Roraima, voltando a lançar uma espessa cortina de fumaça sobre a localidade durante todo o dia e à noite, além da fuligem que invadem residências e pousadas.

Pela localização dos incêndios, é possível afirmar que o fogo vem de assentamentos e fazendas, com todas as características de ser proposital a fim de limpar essas áreas para plantio ou pasto. Culturalmente, essa é a forma que indígenas e não indígena fazem para preparar as áreas para o cultivo antes da chegada do inverno, por isso existe a necessidade de as autoridades mudarem a forma de atuar para prevenir e combater as queimadas descontroladas.

Para não dizer que não houve nenhuma campanha em Tepequém, na entrada da vila colocaram uma pequena e acanhada placa retangular que mal dá para ler de dentro do carro, instalada ao lado de outra mais antiga, no bom estilo para turista ver. É preciso estar muito atento para enxergar o aviso de proibição de queimadas. E assim tem sido feito costumeiramente pelas autoridades, como se fosse algo espetacular.

No entanto, muitas vezes quem ateia fogo nem sabe ler ou sequer tem acesso a campanhas institucionais na TV, rádio ou internet. Muito menos têm conhecimento da proibição ou das implicações de atear fogo, a exemplo do tuxaua preso em Bonfim, pois é certeza absoluta que ele e sua comunidade usam o artifício do fogo tradicionalmente para plantar suas roças.  

Significa que as autoridades sequer têm estratégias para enfrentar essa realidade, para que se façam campanhas educativas e de orientação presencialmente, em conjunto com entidades e organizações indígenas, além de outros órgãos governamentais. Cada comunidade indígena está ligada a uma organização indígena, mas o governo só lembra disso em tempo de campanha eleitoral.

Em Tepequém, prometeram treinar e formar uma brigada para combater o fogo, ainda no mês de dezembro passado, mas tudo ficou só na promessa. E isso porque essa atual gestão teve quatro anos de folga para se organizar e agir, já que nesse período não houve forte estiagem, com as chuvas fazendo o trabalho de conter qualquer possibilidade de incêndios. Sequer o governo contratou os brigadistas que fizeram o seletivo no ano passado.

O resultado desse descaso e desleixo por falta de uma ação organizada e equipada para orientar e prevenir, para depois punir, é o cenário que estamos vendo hoje, com o Corpo de Bombeiro e Defesa Civil sem estrutura e efetivo, com o governo inerte até o caso ir parar na mídia nacional e as comunidades tendo que ir para a linha de fogo sem preparo e apenas com baldes de água e força de vontade.

Espremendo tudo isso, sobra apenas um tuxaua preso, enquanto as autoridades saem ilesas pelo descaso que sempre trataram a questão dos incêndios florestais e queimadas descontroladas.

*Colunista

[email protected]