Um estudo elaborado pelo professor do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Luís Felipe Paes de Almeida, propõe discutir, suscitar e refletir sobre soberania alimentar em comunidades indígenas amazônicas. “São necessárias ações priorizem práticas de produção e alimentação que se relacionam com a sociobiodiversidade e em parceria com órgãos governamentais e não-governamentais”, assinala o professor e pesquisador.
A segurança alimentar comunitária aborda várias questões-chave que os sistemas alimentares modernos enfrentam, tanto em nível local quanto global. O conceito de segurança alimentar comunitária é único em sua intenção de examinar as complexas relações entre características cruciais e componentes dos sistemas alimentares.
Essa abordagem holística (construção de uma visão de mundo e de homem integral, propondo-se a ter um olhar diferenciado sobre a realidade, e ampliando a visão do mundo e elação do ser humano com ele, valorizando nossos potenciais humanos), envolvendo questões da capacidade dos membros da comunidade de obter alimentos, para o bem-estar social dos trabalhadores e participantes do sistema alimentar.
De acordo com Luís Almeida, embora alguns dos componentes individuais desse diagnóstico dos sistemas alimentares ainda estejam em fase de desenvolvimento, a ideia geral de uma abordagem “abrangente” para a solução e gerenciamento de problemas de sistemas alimentares é uma ação positiva aos esforços de segurança alimentar em todo o mundo.
Territórios indígenas
A Segurança Alimentar em Territórios indígenas engloba a percepção de todos os aspectos do sistema alimentar, incluindo aspectos de produção e acesso de alimentos, socioeconômicos, culturais e de políticas públicas.
No bojo dessa discussão, suscitar a reflexão sobre soberania alimentar – o direito de definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção de alimentos – está na pauta, uma vez que a gestão de tais práticas e do território faz parte do processo de protagonismo indígena. São necessárias ações priorizem práticas de produção e alimentação que se relacionam com a sociobiodiversidade e em parceria com órgãos governamentais e não-governamentais.
Cursos superiores específicos para povos indígenas
Em Roraima existem cursos superiores específicos para os povos indígenas, tais como Licenciatura Intercultural Indígena (Formação de professores indígenas), Gestão Territorial Indígena e Gestão em Saúde Coletiva Indígena, que são ofertados no Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da UFRR. Em 2001, como respostas às demandas do movimento indígena no que se refere a iniciativas de ensino escolar e superior diferenciado e específico, foi elaborado o Projeto Político Pedagógico com a criação do Instituto Insikiran em 2002.
O primeiro curso criado foi o de Licenciatura Inercultural, e posteriormente, em 2009 o curso Gestão Territorial Indígena, para a gestão sustentável do território e por último, em 2012 o curso de Gestão em Saúde Coletiva Indígena para fortalecer atendimento adequado da saúde indígena nos Distritos sanitários ( DSEIs).
O Núcleo de Estudos em Agroecologia e Segurança Alimentar e Nutricional -NEASAN foi criado em 2016 por professores dos cursos de Gestão Territorial e Saúde Coletiva Indígena de forma a contribuir para o bem-viver e saúde dos povos indígenas, na área de segurança alimentar e nutricional em planejamento de segurança Alimentar, Agroecologia e aspectos de saúde e alimentação, além da incidência das políticas públicas e formas de economia solidária no território.
Os planos de Segurança Alimentar comunitária em Territórios indígenas incentivam a percepção de todos os aspectos do sistema alimentar, incluindo aspectos de produção e acesso de alimentos, socioeconômicos, culturais e de políticas públicas.
Emergência Yanomami
Com os recentes casos de insegurança alimentar na Terra Indígena Yanomami e o desequilíbrio ambiental causados pelo garimpo e avanço do agronegócio nas terras indígenas, o pesquisador diz ser importante entender as causas e as possíveis formas de superar os problemas referentes a segurança alimentar e nutricional.
Segurança Alimentar indígena pode ser definida como o direito dos povos e comunidades tradicionais ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. A alimentação deve ser saudável, que respeite a diversidade cultural, cosmologia e que seja ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis; sem comprometer o direito à alimentação adequada de gerações futuras”, diz o professor Luís Almeida.
Planos de Segurança Alimentar
Os Planos de Segurança Alimentar e Nutricional tem como base as diretrizes da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), além do cumprimento do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e a consolidação da Soberania Alimentar, tendo como base o levantamento de dados e diagnósticos realizados em conjunto com as comunidades indígenas.
A partir de um curso realizado na Comunidade Boca da Mata, Terra Indígena São Marcos, no município de Pacaraima (RR), buscando solucionar os principais problemas levantados pelos cursistas, foi possível refletir sobre o uso sustentável do ambiente para a produção de alimentos e sua relação com a saúde, políticas públicas, segurança alimentar e economia solidária.
Como resultado, foi produzida uma cartilha, intitulada Plano de Segurança Alimentar Comunitário em Terras Indígenas, onde foram utilizados indicadores tais como a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) (questionário amplamente utilizado para indicar insegurança alimentar nas famílias entrevistadas), a presença de associações/grupos para a produção de alimentos, qualidade da alimentação escolar/domicílio, presença e estado de roças coletivas, além de assistência técnica agroecológica.
Também houve projetos de agricultura e pecuária que atendiam às necessidades de alimentação específica dos povos indígenas. No que no que diz respeito a etnobotânica (ramo da botânica que estuda o uso das plantas pelos povos), foram realizados levantamentos de plantas e alimentos não convencionais consultando anciões por meio de grupos feitos pelos cursistas, na comunidade.
Planejamento
A partir dos dados levantados foi desenvolvido o planejamento para as futuras ações que atenuem a insegurança alimentar em comunidades indígenas. As iniciativas que podem surgir são: comitê de avaliação da segurança alimentar comunitária, grupos de agricultores que possam realizar feiras locais e vendas para escolas, cursos para merendeiras, valorização de roças e criações comunitárias, trocas de sementes tradicionais, assistência técnica e extensão rural agroecológicos, criação de sistemas agrícolas integrados com animais e cultivos, entre outros.
Como proposta de formação foi desenhada a elaboração de um curso de 160 horas para ser replicado nas comunidades interessadas. Os módulos de curso para associações ou comunidades que queiram avaliar a insegurança alimentar local.
O curso está disponível para as comunidades que estejam interessadas em avaliar a Segurança alimentar e a Soberania alimentar em terras indígenas; elaborar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); Educação Alimentar e Nutricional nas escolas (EAN); Merenda escolar nas escolas indígenas; Doenças associadas a alimentação; Vivências agroecológicas: agroecologia/ compostagem/hortas; Plantas alimentícias não convencionais (PANC’S); Economia Solidária e Segurança Alimentar.