Walber Aguiar*
Nesses dias tão estranhos, fica a poeira se escondendo pelos cantos
Renato Russo
Era o dia 02 de dezembro. Dia de andar por aí sem fazer nada, tentando encontrar alguma coisa que ficou perdida no tempo. Dia de entender o ininteligível e desentender o cartesiano. Tempo de perceber o lado cinza do azul e o lado azul do cinza. Momento de enxergar com os olhos fechados.
Minha vida sempre foi marcada pela simplicidade e pela força do desapego, usando as coisas e amando as pessoas; nunca fiz questão de amealhar o distante, nunca quis possuir o impossível. Tendo aprendido a ler aos quatro anos, entendi que andar pelo labirinto das letras me faria bem. Nunca fui afeito a números, mas persegui a composição, o jogo de palavras, a superposição vocabular. Longe de tudo e de todos, perdido entre a imensidão do Negro e o mistério do Solimões, aprendi que a vida exige mais que páginas frias de um livro. Ela nos lança no caos urbano e no melancólico mundo racional.
Daí ter afirmado Salomão que quem aumenta ciência, aumenta tristeza. Isso porque, quanto mais sei mais sofro, mais entendo que as coisas poderiam ter tomado um rumo diferente. Aprendi com José Barbosa Júnior que o conhecimento tem que servir para alguma coisa, não pode ser apenas elucubração filosófica ou cosmético de intelectual. Carece de dinamicidade pra se transformar em felicidade e experiência.
Em Boa Vista conheci a “caverna de Platão”, em Manaus percebi a sombra que se espreguiçava sobre ela. Descobri que a multidão delira, podendo ser transformada em qualquer coisa moldável, envolvida por esquemas de manipulação política e econômica. Por isso sou um ser a caminho, uma espécie de inteiro metade, de grande pequeno, de alguém que tenta se descobrir sem pressa e sem atropelos. Hoje, depois de muito apanhar, aprendi com os caimbés a recomeçar sempre.
Seu Genésio me ensinou a ler, dona Maria me deu lições de vida. Drummond e outros me ensinaram a fazer a leitura poética do mundo. Dorval Magalhães me mostrou a importância do ouvir e os pastores Josué e Caio Fábio me iniciaram nas sagradas letras, na singularidade do Evangelho de Jesus. A Eliakin coube a imersão nos igarapés da poesia regional. Aí veio pastor Raimundo, com toda sua ternura filosófica, e preencheu a lacuna que faltava. Lacuna que foi tomada por Jacques Ellul, com a versão revolucionária do evangelho, Kierkegaard, com a subjetividade da fé e o Deus do absurdo, por Stott com sua contracultura cristã, bem como C.S. Lewis e a estética do evangelho puro e simples…
E era 02 de dezembro, meu dia. Dia de acenar para todos os portos da vida, na expectativa de que a felicidade esteja a caminho, não no destino final. Dia de celebrar a vida e esquecer a morte. Dia de chutar o balde e colher as flores vermelhas da poesia. Até que a morte ou o esquecimento nos separe…
*Advogado, poeta, professor de Filosofia, historiador, mestre em Letras e membro da Academia Roraimense de Letras Email: [email protected]