Sem conseguir impedir a atividade de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami, o governo vai iniciar a partir de maio uma nova fase da operação de desintrusão. Entre as medidas estão o reforço de segurança na fronteira com a Venezuela e o sufocamento de atividades ilegais que permitem o acesso dos invasores à reserva, como pontos de abastecimento de aeronaves irregulares.
As operações acontecem na esteira do lançamento da Casa de Governo, localizada em Roraima. Inaugurada em fevereiro, a estrutura vai coordenar as novas operações, que acontecerão de maneira simultânea em várias frentes de combate. A estratégia prevê que isso ocorra de maneira contínua, a partir da percepção de que os garimpeiros retornavam para a terra indígena nos intervalos das ações emergenciais executadas ao longo do último ano.
Ao jornal O Globo, a ministra Sônia Guajajara admitiu que o modelo adotado pelo governo até aqui deu brecha para o retorno dos garimpeiros e que a estratégia não deu conta da “dimensão” encontrada.
“Durante os primeiros oito meses do ano passado, conseguimos retirar 82% dos garimpeiros. Eles sentiram uma brecha, e parte retornou. Houve um período em que a gente tinha zerado os pontos de alerta de garimpo, mas depois o Ibama viu que tinham novos. Intensificamos as ações para retirar e evitar o retorno. Não há um dado preciso, mas a gente supõe que sejam 2 mil (invasores). Antes, eram 20 mil. E eles adotaram uma nova rotina”.
Inicialmente, a nova etapa da desintrusão custará R$ 1 bilhão, já liberado por uma medida provisória de crédito extra editada em março. O texto determinou a divisão dos valores entre oito ministérios: Justiça e Segurança Pública; do Meio Ambiente e Mudança do Clima; do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; da Defesa; do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; da Pesca e Aquicultura; dos Direitos Humanos e da Cidadania; e dos Povos Indígenas, que concentra a maior parte dos recursos, com R$ 455 milhões.
Um dos principais pontos de ação do governo será a tentativa sufocar as atividades ilegais que permitem o acesso de garimpeiros à terra indígena. Para isso, uma das medidas será a construção de “muros” nas vias fluviais, estratégicas no acesso à região. A medida ainda está na fase de estudo técnico, mas já foi identificado a necessidade da construção da barreira em pelo menos 2 pontos: rio Mucajaí e Uraricoera. O objetivo é que os pontos de acesso sejam fiscalizados de maneira contínua por agentes de segurança.
Haverá, ainda, ações da Agência Nacional de Aviação e Petróleo para fiscalizar pistas clandestinas e pontos de abastecimento ilegal. O governo já identificou pelo menos 85 pistas irregulares, além das 27 regulares que também acabam sendo usadas pelos garimpeiros, localizadas dentro e fora da TI.
Os operadores dessas pistas chegam a cobrar até R$ 1.000 por cada pouso ilegal. Já os pontos de abastecimento de querosene de aviação podem gerar um lucro de R$ 3 milhões por mês para a atividade ilegal.
Em paralelo, agentes da Força Nacional, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal farão ações de fiscalização e bloqueio em rodovias para impedir a chegada aos pontos de acesso fluvial à terra indígena. O território só é acessado por ar ou água.
Haverá, ainda, a varredura da região com o uso de pelo menos cindo helicópteros, três deles deixados pelo Ministério da Defesa. O Exército seguirá operando na região.
Nesta segunda-feira, a Defesa publicou uma portaria estabelecendo as diretrizes de atuação das Forças Armadas no território até o dia 31 de dezembro. De acordo com o texto, o objetivo é interromper o fluxo logístico das atividades de apoio ao Garimpo Ilegal na Terra Indígena Yanomami.
Os militares atuaram durante todo o ano de 2023 em ações emergenciais no território. Em novembro, no entanto, as ações foram interrompidas após atingirem os R$ 300 milhões de horas/voo contratados pelo governo.
Membros do Ministério dos Povos Indígenas apontam que nessa época, o garimpo ilegal pelo lado brasileira tinha sido praticamente eliminado, mas a saída dos militares acabou facilitando o retorno das atividades ilegais e impactou ainda a entrega de cestas de alimento, segurança, saúde, entres outros pontos de atuação.
Neste ano, com o retorno dos militares para o território, foram entregues 15 mil cestas só de janeiro até março, com ações focadas na região de Roraima, onde o garimpo é mais grave, segundo monitoramento do governo.
As ações da Casa de Governo são estabelecidas no tripé Desintrusão e Proteção; Saúde; e Segurança Alimentar. Nesse último ponto, o Ministério dos Povos Indígenas fechou um contrato de R$ 185 milhões com a empresa Ambipar Flyone Serviço Aéreo Especializado para a distribuição de pelo menos 8 mil cestas por mês de alimentos pelos próximos 12 meses. Para isso, serão usadas cinco aeronaves e helicópteros de pequeno porte. Os voos serão acompanhados por fiscais da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
O governo trabalha ainda para criar um mapa de monitoramento em tempo real das ações na terra indígena Yanomami. O objetivo é que seja possível a fiscalização e acompanhamento pela população do emprego dos recursos, ações e resultados, como a entrega das cestas de alimento.
Haverá, ainda, a montagem de “bases de interagência”, que funcionará como um centro de operações das forças de segurança, Ibama e a Funai, envolvidos nas ações de fiscalização e desintrusão. O espaço servirá para o monitoramento e coordenação de ações contínuas, para evitar brechas para o retorno dos garimpeiros. O Ministério da Defesa auxiliará na construção de um “acampamento provisório” enquanto as bases estão sendo construídas.
O Exército, por sua vez, vai ampliar a presença na fronteira com a Venezuela, um dos pontos mais desafiadores para as estratégias traçadas pelo governo federal. O Brasil já tem conversas diplomáticas com o país para uma atuação conjunta na região. Atualmente, 120 militares atuam nos dois pelotões de fronteira existentes. Esse contingente receberá o reforço de 30 militares, com ampliação para outros pontos mais críticos da região.
Na área da saúde, o Ministério dos Povos Indígenas prevê finalizar ainda neste mês as obras de reforma e ampliação da Casa de Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista, com capacidade para atender de cerca de 500 pessoas, com alojamentos, quartos e cozinhas adaptadas às necessidades dos indígenas. Haverá, ainda, reforço em hospitais de campanha e tentativas para aumentar os agentes de saúde, como incrementos salariais para facilitar contratações.
O governo federal já mapeou 286 pontos de comunidade, que são os locais aonde os serviços de saúde e alimentação precisam chegar. A estimativa, no entanto, é que haja 320 comunidades, e o governo quer fazer essa ampliação dos pontos de atendimento.
Está prevista também a ampliação e reconstrução das unidades de saúde na terra indígena Ianomami. A estimativa é que sejam, ao todo, 20 postos de atendimento.
A crise humanitária na Terra Yanomami foi um dos principais pontos de pressão no governo federal em 2023. Ao longo de todo ano, foram realizadas ações emergenciais envolvendo diversos ministérios, mas o modelo não permanente permitiu o retorno dos invasores.
Um dos pontos mais críticos foi a divulgação do número de mortes de Ianomâmis em 2023. Ao todo, 363 óbitos foram registrados, número maior do que do último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A gestão Lula entende que isso já era esperado, já que havia subnotificação pela última gestão e as operações de 2023 permitiram acesso a mais áreas e mais povos.
“É uma situação de muitos anos, e um ano não foi suficiente para resolver. Tem a complexidade da dimensão do território, da estrutura insuficiente de aeronaves, da falta de pistas de pouso. Algumas pistas não eram homologadas e eram usadas por garimpeiros, e a gente não queria reforçar esse uso. Em alguns casos, precisávamos de forças de segurança. Não demos conta daquela dimensão toda”, afirmou Guajajara ao jornal O Globo.
A crise sanitária resultou em demissões no governo. Um dos pontos mais pressionados, o Ministério da Saúde exonerou neste mês a diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena, Carmem Pankararu. A saída se deu pelas falhas na implantação de políticas em terras Yanomami e a piora nos índices de saúde da população.
*Com informações do jornal O Globo