As salas de aulas, que antes eram ocupadas por professores e alunos, hoje são usadas por invasores que utilizam o local para dormir ou vender drogas. Já o espaço externo, onde estudantes brincavam na hora do intervalo, foi tomado por lixo. Esse é o cenário atual da Escola Estadual Professor Diomedes Souto Maior, uma das mais tradicionais da história roraimense, que há cerca de 12 anos está abandonada.
A reportagem da FolhaBV foi até o local e identificou que parte do telhado desabou, os azulejos das paredes estão quebrados e que toda a estrutura está em degradação. Ao longo dos quase 80 anos de história, a escola fez parte das memórias dos estudantes e educadores que passaram por lá até ser fechada em 2012.
O ex-aluno da instituição, escritor e professor, Aimberê Freitas, lamenta o descaso do poder público em preservar o espaço e diz que é “uma facada muito forte” ver o espaço no atual estado. Ele ingressou na escola em 1955, onde estudou até concluir a quarta série, última turma ofertada.
“Quando você não tem vínculo com aquele bem, pode achar que tanto faz deixar a escola abandonada. Tem gestores públicos que não sabem quem foi o professor Diomedes, não estudaram lá, não têm nada a ver com aquilo, e por isso acabam optando por derrubar o prédio, por exemplo. Mas para quem tem essa conexão com o lugar, é uma tristeza ver ela assim”, disse.
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79 anos de fundação
Em 1945, o primeiro governador do ex-Território Federal do Rio Branco, capitão Ene Garcez fundou as escolas estaduais Professor Diomedes Souto Maior e Lobo D’Almada. Até então, Boa Vista contava apenas com a Escola Estadual São José, antes administrada por madres Beneditinas da Igreja Católica.
A escola e a rua onde está localizada foram nomeadas em homenagem ao professor Diomedes Souto Maior, que acompanhou o desenvolvimento educacional de diversos roraimenses. O educador é também o patrono da Academia Roraimense de Letras (ARL).
Inicialmente, foi construída uma estrutura pequena, com apenas duas salas, no bairro Caxangá, onde hoje é o Centro. Na época, também abrigava poucos alunos e funcionários. Entretanto, as lembranças construídas no local acompanharam a vida de gerações como a de Aimberê.
“Quando estudei lá, aos nove anos, o nome era Escolas Reunidas Diomedes Souto Maior, mas depois mudou. Lembro também da merenda que davam aos alunos. Era coisa simples, como mingau, e era feito na cozinha da casa da diretora da escola. Isso ficou na memória durante toda a minha vida”, relembrou o escritor, com 78 anos de idade.
Luta pela preservação do patrimônio histórico
A Secretaria de Cultura e Turismo (Secult) informou que, em 2015, foi aberto um processo para tratar do tombamento estadual da Escola Professor Diomedes Souto Maior. Porém, segundo ela, o processo aguarda parecer do Conselho Estadual de Cultura.
Sete anos depois, em 2022, o imóvel foi cedido pelo Governo do Estado para a construção da nova sede do Instituto de Previdência do Estado de Roraima (Iper). O órgão afirmou, por meio de nota, que não realizou nenhuma demolição do prédio e que está em diálogo com a Secult para “conduzir eventuais intervenções no terreno de forma a não descaracterizar o prédio histórico”.
A FolhaBV teve acesso aos dois pareceres enviados pela Câmara do Patrimônio e Museológico do Conselho Estadual de Cultura, em que critica o laudo técnico realizado na escola pela Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinf) e afirma que é incompatível com a preservação da história do patrimônio cultural do estado.
Conforme os documentos, a Seinf teria informado que “devido à avançada idade do edifício e aos danos causados pela exposição ao tempo, incluindo chuvas e infiltrações, e devido à ausência de manutenção adequada, a solução mais eficaz seria a demolição”.
Conforme Jânio Tavares, membro da Câmara do Patrimônio, a organização não é contra a construção do prédio do Iper no terreno da escola, mas sugere que o espaço seja preservado e destinado para outros fins, como um setor do Instituto ou um memorial da instituição Diomedes.
“Recentemente, tivemos uma reunião com o governador Antônio Denarium e pedimos que a escola não seja demolida. Temos vários outros bens públicos nesta situação. Nossa intenção é preservar o que sobrou, existem métodos e tecnologias para fazer isso hoje em dia”, informou.
Também membra da Câmara e da ARL, a professora aposentada Petita Brasil critica a atuação das gestões que permitiram a degradação de bens naturais e históricos de Roraima, como a escola, os mananciais e o Porto do Cimento, onde hoje se encontra a Orla Taumanan.
“A cultura de um povo não se prende só a um prédio arquitetônico, são os costumes e a memória. Se apagarem a história, vamos ter que pagar passagem para outros lugares para conseguir ver o passado. É muito triste. Temos que preservar o resto que nos resta”, declarou.
Vias para a preservação da estrutura
Após ver fotos da escola, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Roraima (CAU-RR), Nikson Dias, avaliou ser possível recuperar a estrutura da instituição por meio de um processo chamado “retrofit”, que visa restaurar prédios antigos ao mesmo tempo em que preserva a arquitetura original.
“O abandono de um espaço contribui muito para a sua degradação, mas, no caso da escola, ainda é possível recuperar a estrutura. Existem tecnologias e profissionais capacitados em Roraima para este tipo de execução. O retrofit é uma forma de requalificar o espaço sem abandonar a memória e importância histórica dele para a população”, pontuou.
Além disso, de acordo com o arquiteto, a ideia de reaproveitamento do prédio para outros fins, como também sugeriu Jânio Tavares, é uma opção que poderia ser avaliada. O profissional reforça a importância de preservar prédios históricos de Roraima. Segundo ele, “é preciso conhecer o passado. Uma cidade que não sabe de onde veio, não vai conseguir traçar o futuro dela”, finalizou.