Por Víktor Waewell*
De início, portugueses passavam aqui para buscar produtos como o pau-brasil, a caminho da Índia, onde estavam as especiarias. É que a corrente marítima que contorna a África passa pelo meio do Atlântico, então o Brasil era um desvio não muito grande no trajeto de ida.
Em várias partes do mundo, os portugueses fundavam fortalezas perto da costa nas quais os produtos que lhes interessavam eram guardados para quando os navios passassem. Em troca, entregavam itens europeus que hoje podem parecer de pouco valor, mas não eram. Se você precisa cortar uma árvore, vai valorizar bastante um machado de cunha metálica. Caso já tenha ficado numa casa sem espelhos, sabe que faz falta. No começo, os portugueses eram comerciantes, compravam aqui para vender lá e vice-versa. Então, os povos nativos de várias partes, inclusive no Brasil, trocavam por vontade.
No entanto, as guerras logo começaram a pipocar.
No Brasil, enquanto uns capitães portugueses continuavam a procurar pau-brasil, outros passaram a caçar pessoas e vendê-las como escravas para as incipientes plantações de cana no Nordeste. Diante da perspectiva dos grilhões, muitos nativos se uniram e deram batalha contra a invasão. Em alguns lugares, como no Espírito Santo, os indígenas venceram, matando muitos e queimando o que fora construído por portugueses, retardando o processo de colonização. Em outros, os fidalgos conseguiram aproveitar inimizades entre os caciques locais para conseguir bons aliados para si, ocasionando décadas de grandes batalhas em terra e no mar, como é o caso do eixo Rio-São Paulo, onde aconteceu a chamada Confederação dos Tamoios, a nossa maior revolta indígena – que, por sinal, é o pano de fundo do meu último livro.
Guerras assim eram habituais para portugueses, em sua vasta rede comercial, com embates do Brasil à Malásia, fossem contra reis locais ou almirantes otomanos. Frequentemente, portugueses perderam. Às vezes, conquistavam apenas o direito de fazer comércio ali e, sendo otimista, de manter o castelo perto da praia.
Só que, no Brasil, os fidalgos avançaram cada vez mais sobre o território, até a vitória completa. Por quê?
Diferente do senso comum, as armas de fogo, bem rudimentares à época, não foram de grande valia. As armaduras, sim, faziam diferença, contra povos sem metalurgia. Mas o que realmente pendeu a balança foram as doenças. São vários os registros de contaminação lançada propositalmente contra os indígenas, com envio de pessoas ou objetos infectados a eles. Males que haviam circulado no resto do mundo por milhares de anos, causando várias epidemias mortíferas, ganharam a América. Diferente de europeus, resultado de uma longa seleção de indivíduos resistentes àquelas doenças, os nativos morriam em proporção assombrosa.
O mundo dos indígenas, antes da virada do primeiro século da invasão, já era um cenário pós-apocalíptico. Cerca de 90% das pessoas morreram adoecidas. De início, faleciam mais os inimigos dos portugueses, contra os quais as doenças eram direcionadas. Depois, a epidemia varreu tudo. Povos inteiros no sertão que às vezes nem tinham ouvido falar de um branco desapareceram.
Com o território aberto, não se demoraram os hoje chamados bandeirantes, singrando o país em busca de metais preciosos e de nativos remanescentes para serem escravizados. Os metais foram encontrados em Minas Gerais e os nativos, difíceis de serem domados pela facilidade de fugirem pela mata, ficaram obsoletos como força motriz da economia, quando começaram a chegar, aos milhares e depois aos milhões, os pretos da África.
Neste 22 de abril lembramos o chamado Dia do Descobrimento do Brasil. Este é um jeito incrivelmente errado de descrever a situação, pois não foi descoberto, mas invadido, nem era o Brasil. De toda forma, o marco da chegada dos portugueses é um dia para se pensar. De lá para cá, têm sido boas as nossas escolhas?
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Víktor Waewell é escritor, autor do livro “Guerra dos Mil Povos”, uma história de amor e guerra durante a maior revolta indígena do Brasil.