OPINIÃO

No dia em que fui “segurança” de João Carlos Martins

Sebastião Pereira do Nascimento*

Era sábado, 15 de fevereiro de 2020. O espetáculo estava marcado para iniciar às 20:00 horas na praça Fábio Marques Paracat, em Boa vista. No intuito de garantir um lugar mais próximo possível do proscênio, às 19:30 horas já estava no local. Afinal de contas, era um grande concerto musical com a participação de mais de 150 músicos e tantos outros coristas boa-vistenses sob a regência do maestro João Carlos Martins, do qual sou um profundo admirador de sua arte. Sobre o evento: fazia parte do projeto “Orquestrando o Brasil”, idealizado pelo maestro.

Ainda que João Carlos Martins dispense apresentação, mas é oportuno lembrar que o maestro brasileiro é reconhecidamente um dos melhores pianistas do mundo e considerado um dos maiores intérpretes do compositor barroco Sebastian Bach. Deste compositor, João Carlos Martins gravou a obra completa para piano. O maestro também fundou em 2004, a Orquestra Bachiana Jovem, que em 2009 passou formar a Orquestra Bachiana Filarmônica Sesi-São Paulo. Autodenominado de educador musical, o regente JCM, como um verdadeiro menestrel da música clássica, nos últimos anos passou peregrinar pelos cantos do Brasil, estruindo jovens que se destacaram sobremaneira no universo da música clássica, com finalidade de capacitar maestro e instrumentistas de todos o país.

De volta ao concerto, do início ao fim, o público se emocionou com a apresentação das orquestras boa-vistenses que nada ficam a dever às grandes orquestras brasileiras, neste caso especial, sob a regência do maestro João Carlos Martins. Da minha parte, nada restava se não me deixar levar pelas emoções diante de um grandioso e raro espetáculo musical em Boa Vista, celebrando a riqueza da música clássica brasileira e, claro, outros clássicos da música universal.

A certa altura da apresentação, diante das emoções desencadeadas por tão belo momento, fui transportado para outro espetáculo igualmente encantador: o Festival Amazonas de Ópera, considerado o maior evento do gênero na América Latina. Um super espetáculo que ocorre anualmente em Manaus desde 1997, tendo como cenário principal o Teatro Amazonas, inaugurado em 1896. Sobre o festival, é lamentável dizer que este ano (2024) não será realizado por absoluta falta de recursos, segundo noticiou a Secretaria Estadual de Cultura do Amazonas.

Outra coisa que me veio à lembrança foi a semelhança do espetáculo montado num espaço aberto: aqui na praça Fábio Marques Paracat e em Manaus, no largo de São Sebastião, que serve de cenário para apresentação dos musicais de óperas, obviamente, além do espaço interior do Teatro. Lá eu assisti assiduamente durante os anos que fiquei em Manaus, quando dos meus estudos pelo Inpa. Outra semelhança entre os dois eventos estava na multiformidade dos dois espetáculos: em Boa Vista, com a participação de Orquestra de Câmara, Orquestra Infantojuvenil, Coral Infantil do Instituto Boa Vista de Música, Coral Cênico da Fundação de Educação, Turismo, Esporte e Cultura (Fetec), bem como um conjunto heterogêneo de músicos e de instrumentos musicais. Algo parecido com o festival amazonense, onde todas as peças são acompanhadas por um conjunto multifacetado de instrumentos musicais, coro de cantores e figurantes, etc., além das clássicas obras dramático-musicais como: Madalena de Heitor Villa-Lobos, Fígaro: o barbeiro de Sevilha de Gioachino Rossini, Anel de Nibelungo: a tetralogia de Richard Wagner composta de D’ouro do Reno, Valquíria, Siegfried e o Crepúsculo dos Deuses, Carmina Burana, uma riquíssima cantata cênica composta por Carl Orff, Yebá-Burô, um drama-musical baseado na cosmogonia amazônica do povo Dessana, dentre outras obras clássicas.

Sobre o espetáculo roraimense, o ponto alto do concerto foi a participação do maestro João Carlos Martins, interpretando ao piano, acompanhado pelas orquestras, o clássico “Ária da quarta corda”, do compositor alemão Sebastian Bach. No encerramento, o maestro trouxe outro clássico, “Paradise”, mostrando um perfeito diálogo entre o regente e as orquestras. A plateia durante toda a apresentação, mostrou-se atenciosa e vibrante. Não preciso dizer que as lagrimas escorreram dos meus olhos como se fossem uma avalanche de felicidade pelo prazer supremo de assistir a um espetáculo tão intenso. Finalmente, baixa as cortinas e logo inicia a dispersão do público. Eu, ainda sob o manto de emoções, de repente me veio a ideia de ir cumprimentar o maestro, uma vez que avaliei não ser tão difícil ali naquele momento. Engano meu!

Ao me dirigir para o local onde entendi que seria a saída do palco. Na medida que fui me aproximando, vi uma grande concentração de gente ao redor do maestro. Vi ele apavorado, tentando se desvencilhar das pessoas que o assediavam. Por falha da organização do evento ou talvez por outro motivo, não havia ninguém que acompanhasse o artista. Logo eu tive outra reação que não seria mais de complementá-lo. Mas ajudá-lo a sair daquele assédio sufocante. Com disposição e cuidado fui adentrando por entre as pessoas e numa distância de um a dois metros ele olhou para me e entendeu que eu poderia ser alguém que estava ali para protegê-lo e tirá-lo dali, ainda que meu porte físico não desse crédito para um segurança confiável.

Contudo, ao chegar bem próximo, o cumprimentei e logo fiz um gesto para que ele me seguisse e, com a ajuda de outras duas ou três pessoas que também o protegiam, fui abrindo um corredor por entre o aglomerado de gente até alcançar a calçada da Av. Ene Garcez, quando diminuiu substancialmente o assédio do público, deixando o maestro com um grupo de pessoas, possivelmente da Fetec, que o levariam para o hotel. Depois desse acontecimento, retornei ao meu destino, desaparecendo na multidão.

*Filósofo, escritor e consultor ambiental. Autor dos livros “Sonhador do Absoluto” e “Recado aos Humanos” (Editora CRV). Coautor dos livros “Pandemia: Poemas, Contos e Microcontos” (Editora UFRR) e “Vertebrados Terrestres de Roraima” (publicação: BGE).