Sebastião Pereira do Nascimento*
A corrupção é um fenômeno social, político e econômico complexo que afeta todos os países. Como eu tenho anunciado aqui neste espaço, a corrupção desde sempre tem sido tão consuetudinária entre a nossa sociedade que a sua prática se tornou regra e não exceção. É tanto que a maioria das pessoas encara isso com tamanha naturalidade, visto que a corrupção já está fortemente arraigada na cultura do povo. Assim, num círculo vicioso, desde cedo as crianças veem seus familiares e outras pessoas praticando subornos e tornam-se de forma coercitiva, operadoras dessa indecorosa prática que revela a essência de um Brasil corrupto, que atinge desde as grandes capitais do país até os pequenos municípios, por exemplo, Alto Alegre, no estado de Roraima.
Sem fazer rodeio, podemos dizer que a corrupção está tão impregnada entre a sociedade humana (sem distinção de classe social, raça, município, estado, país, etc) que leva à impressão de que onde coexistirem pelo menos duas pessoas, parece que uma está sempre tentando corromper a outra. É a raiz da corrupção impregnada na nossa condição social. Diante dessa questão, vem a pergunta: será a corrupção algo da condição humana? Para o filósofo Thomas Bachmann, não. Pois, segundo ele, o indivíduo humano, ao nascer, não vem nem bom, nem mau. Todavia, ao passar dos anos, o indivíduo é moldado segundo as convenções impostas pelo seu grupo social, que propicia predisposições para as ações futuras desse indivíduo que, a depender do contexto moral em que vive, pode tornar-se um sujeito bom ou mau, inclusive corrupto.
Em outras palavras, do ponto de vista ético, é ainda pressuposto necessário para instalar a corrupção, além da ausência do interesse moral, a incapacidade do indivíduo de assumir compromissos voltados ao bem coletivo, onde o sujeito é incapaz de fazer coisas que não lhe tragam uma gratificação pessoal. Isso nos deixa livre para dizer que a corrupção vem do egoísmo e da ganância das pessoas em querer levar vantagem em tudo, não se importando se irá prejudicar o outro, pois o objetivo é unicamente querer servir a si mesmo.
Essas premissas parecem ser exemplos clássicos da terra brasilis. Em Roraima não é diferente, quando você tem em todo o Estado fatos semelhantes a essa ilicitude brasileira. Onde muitas vezes elementos do poder municipal (tanto executivo como legislativo) assumem um “poder hierárquico”, tendo os indivíduos neófitos aprendendo as falcatruas com os mais velhos.
A partir do portal da transparência da justiça estadual e federal, quase a unanimidade dos municípios roraimenses têm seus atuais prefeitos ou ex-prefeitos acusados de graves práticas de corrupção, em sua mais diversas formas: fraudes licitatórias, abuso de poder, peculato, apropriação indébita, compra de votos, etc. Alguns investigados, outros condenados e outros afastados do cargo.
No Alto Alegre, por exemplo, os dois últimos prefeitos foram condenados e presos recentemente pela justiça por práticas de corrupção. Sabendo com isso que outros prefeitos daquele município tiveram também seus mandatos marcados por escândalos de corrupção e problemas com justiça. No caso dos mais recentes, citamos citar Viru Oscar Friedrich, prefeito de Alto Alegre por dois mandatos (2004 a 2012), condenado a um pouco mais de seis anos de prisão, além do pagamento de multa. O ex-prefeito é acusado, dentre outras coisas, de irregularidades na compra de equipamentos de informática, médico-hospitalares e outros bens permanentes. Com isso, ele teria lesado o orçamento do município em pelo menos R$ 400.000,00, segundo a justiça.
Pedro Henrique Machado (filho do ex-prefeito de Alto Alegre e ex-presidente do TCRR, Henrique Machado, também condenado em 2023 pelo STJ à pena de cinco anos e quatro meses de prisão, em regime inicial semiaberto, pelo crime de peculato). Machado, o filho, foi investigado pela Polícia Federal, que apura um esquema de fraudes em licitações, pagamento de propina, lavagem de dinheiro — segundo a investigação, os valores chegam a R$ 60 milhões. Agora recente, por determinação do ministro do STF, Nunes Marques, a prisão foi revogada, estando sob cumprimento de medidas cautelares. Em 2021, o então prefeito teve o mandato cassado pelo TER por suspeita de troca de cesta básica por votos. A justiça eleitoral também afastou a ex-vice-prefeita Simone Elisabete Friedrich do cargo de prefeita interina. Simone Friedrich é esposa do ex-prefeito Viru Friedrich.
Lamentavelmente, esses casos não se restringem apenas ao Alto Alegre, uma vez que essas práticas delituosas são históricas e recorrentes em todos os municípios roraimenses. São repetições do que acontece no Brasil afora de como a corrupção ocorre de forma sistêmica nas mais diversas esferas do poder público: Executivo (municipal, estadual e federal), Legislativo (câmaras, assembleias e congresso nacional) e Judiciário. Portanto, são componentes desses setores públicos que agregam legiões de vigaristas que levam a corrupção a se reproduzir intra e interinstitucionalmente.
Mas, apesar da participação do agente do estado no fomento da corrupção, ela só toma corpo e almacom participação direta de outro elemento da sociedade (seja qual for o statussocial que ele ocupa nas relações dessa estrutura social: empresário, comerciante, autônomo, trabalhadores diversos, etc). É esse elemento da sociedade que se ocupa de aderir à motivação pessoal do agente público, fazendo com que ele haja corruptamente, de forma ativa ou passiva. Pois, em todo caso, é ele, político ou qualquer outro agente público que tem, na ocasião, o poder de manipular a vantagem ilícita que coalesce com a motivação pessoal dele e do seu contato. No caso do município de Alto Alegre, essas relações foram fortemente exploradas na eleição suplementar ocorrida no último domingo (28/04), para prefeito “tampão” do município.
De um lado, os dois candidatos: Valdenir Magrão (MDB), apoiado pelo ex-prefeito Pedro H. Machado, e Wagner Nunes (Republicanos), apoiado pelos senadores Mecias de Jesus (Republicanos) e Hiran Gonçalves (PP) e pelo governador Antonio Denarium (Progressistas). Segundo a própria justiça eleitoral, essa base de apoio dos dois candidatos atuou ativamente na compra de votos, como noticiado reiteradamente pela imprensa, durante e após o pleito ocorrido no Alto Alegre, quando a juíza eleitoral do município, Sissi Schwantes, considerou a existência de várias denúncias de compras de votos em favor dos candidatos Valdenir Magrão e Wagner Nunes. Desde o início da campanha eleitoral, há 30 dias, a justiça acumula mais de 20 ações, incluindo denúncias contra as duas candidaturas, segundo a juíza. Sobre essa situação, a juíza fez ainda a seguinte análise dos fatos: “Isso nos preocupa porque essa eleição é suplementar. Já decorre de uma cassação de um prefeito, por isso que foram realizadas novas eleições e, novamente, o problema da compra de votos, da falta de lisura dos candidatos que estão sendo votados”, lamentou a juíza.
De outro lado, estava a população, ou melhor, uma grande parcela dos 11,216 mil eleitores aptos a votar que “negociavam” a venda de seu voto ou de familiares. Notícias trazidas de alguns moradores de Alto Alegre diziam também que muitos eleitores se colocavam espontaneamente à vista de alguém com interesse ilegal de “compra” de votos, principalmente na calada da noite ou no que se reconhece como “boca de urna”. Em todos os casos, essas atitudes ilícitas, diante do contexto moral, podem ser consideras como corrupção ativa, pelo fato do “cidadão” se oferecer a uma compensação ilícita.
Ainda que se tratando de uma eleição extemporânea, àsvésperas das eleições municipais, mais uma vez Alto Alegre mostrou que a corrupção no município não é nenhuma exceção. É a regra. Mesmo diante de um pleito suplementar que decorre da cassação de um prefeito condenado por corrupção. Tudo isso também potencializado por políticos estaduais de plantão que oportunamente se voltaram ao Alto Alegre como forma de exercitar seu poder de barganha, como uma condição prévia do que vai acontecer nas próximas eleições municipais de 06 de outubro. Portanto, Alto Alegre insiste na continuidade da corrupção em Roraima.
Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, “a corrupção é dos maiores problemas éticos que se tem no governo”. Pois, entre outras, como diz o filósofo, “a corrupção é a apropriação privada do bem público”, a qual deve ser fortemente combatida, visto que afeta o desenvolvimento econômico e social, contribui para a instabilidade governamental, ataca as instituições democráticas, distorcendo processos eleitorais, além de fragilizar o Estado de Direito, criando um arsenal burocrático cuja única razão de existir é o suborno. Em resumo, ainda baseado nos pressupostos de Janine, há duas formas de enfrentar a corrupção: uma é pelos controles públicos, outra é pela educação das pessoas. Indo mais além, no caso dos crimes eleitorais pela compra e venda de votos, mais do que penalizar o agente público (comprador de votos), é preciso penalizar também a pessoa que concorre para essas práticas delituosas por meio de sanções penais impostas pelo estado.
*Filósofo, escritor e consultor ambiental. Autor dos livros “Sonhador do Absoluto” e “Recado aos Humanos” (Editora CRV). Coautor dos livros “Pandemia: Poemas, Contos e Microcontos” (Editora da UFRR) e “Vertebrados Terrestres de Roraima” (BGE).