DIA DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA

Lei Áurea não representou abolição definitiva, afirmam lideranças

Apesar da libertação formal, população negra não contou com medidas para uma transição digna para a liberdade. Reviste e entenda a história.

Lei Áurea libertou escravizados, mas não trouxe nenhum tipo de reparação pelos quase 300 anos anteriores de escravidão, afirmam lideranças (Foto: Reprodução/Internet)
Lei Áurea libertou escravizados, mas não trouxe nenhum tipo de reparação pelos quase 300 anos anteriores de escravidão, afirmam lideranças (Foto: Reprodução/Internet)

No Brasil, o dia 13 de Maio marca oficialmente a abolição da escravatura, porém, para muitos, a data não representa, de fato, libertação dos negros e negras do país. Segundo líderes dos movimentos sindical e negro, a assinatura da Lei Áurea em 1888 pela Princesa Izabel não foi acompanhada por medidas que garantissem uma transição digna para os ex-escravizados, contribuindo assim para a perpetuação do racismo.

De acordo com essas lideranças, é fundamental que o 13 de Maio seja um momento de reflexão sobre as condições de vida da população negra não apenas naquela época, mas também nos dias atuais.

“O 13 de Maio é dia de rememorar e mais um dia de denúncia contra o racismo e contra os mecanismos que submetem a população negra às piores condições de vida possíveis”

Anatalina Lourenço, secretária de Combate ao Racismo da CUT – Maio de 2022

De acordo com a liderança, o racismo no Brasil é estrutural e dita grande parte relações econômicas e sociais no país. No mercado de trabalho, negros e negras além de terem salários mais baixos que os da população não negra, ocupam os postos de trabalho mais precarizados.  Eles são a maioria dos desempregados também. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego entre os negros é 71% maior que entre a população branca.

Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-Contínua) do IBGE, revelam que o trabalho desprotegido é uma realidade para a maioria dos negros e negras. Cerca de 48% dos homens negros e 46% das mulheres negras estão nessas ocupações, em comparação com 35% e 34% de homens e mulheres não negros, respectivamente.

Além disso, os dados mostram disparidades salariais significativas. As mulheres negras ganham em média R$ 1.334, enquanto as mulheres não negras recebem R$ 2.060. Para os homens, a diferença é de R$ 1.540 para negros e R$ 2.397 para não negros. Essa disparidade salarial coloca as mulheres negras na base da pirâmide social brasileira.

Um estudo recente realizado pela CUT e pelo Dieese também revela que a população negra está sobrerrepresentada em determinadas funções no mercado de trabalho, como a de entregadores, onde são 61,6% dos trabalhadores. Além disso, o rendimento médio dos negros nessas ocupações é menor do que o dos não negros.

No acesso às políticas sociais, como saúde, educação e saneamento, o racismo estrutural também se faz presente, resultando na exclusão da população negra. Por exemplo, apenas 34% dos estudantes universitários se declaram pretos ou pardos, apesar de a maioria da população brasileira ser negra (55%).

O dia seguinte à abolição

De acordo com a secretária-Adjunta de Combate ao Racismo da CUT nacional, Rosana Sousa Fernandes, a abolição, na letra de lei, libertou escravizados, mas não trouxe nenhum tipo de reparação pelos quase 300 anos anteriores de escravidão. Naquela época, segundo ela, já havia um movimento de libertação pelos próprios escravos, com as lutas dos quilombos pela liberdade e, em especial, pelas mulheres escravizadas que, pelo trabalho forçado, compravam a liberdade de seus filhos e companheiros, explica.

Fernandes complementa afirmando que foi uma política de extermínio da população negra. “Eles acreditaram que em 50, no máximo 100 anos, nós estaríamos extintos, já que não haveria condições de sobreviver. Essa ideologia, esse racismo, de certa forma, perdura até hoje”, ela diz.

Enquanto os homens ficaram à margem da sociedade e tiveram de recorrer a furtos para poderem comer, já que eram hostilizados pela sociedade branca – Daí vem o termo “marginal”, estigmatizado até os dias de hoje e, geralmente usado para se referir a negros, as mulheres continuaram a ‘prestar serviços domésticos para suas senhoras’, porém com uma remuneração simbólica. Como o racismo perdurou ao longo dos tempos, a profissão, hoje conhecida como ‘empregada doméstica’, é ocupada, na grande maioria, por mulheres negras.

“Até hoje, temos uma sociedade que não valoriza a luta, os saberes e a cultura da população negra. A abolição foi mais uma forma de demonstrar que houve uma mulher branca, que foi benevolente com os negros e assinou a lei”

Rosana Sousa Fernandes – Maio de 2022

Caminhos do combate ao racismo

Acabar com o racismo há que se ter um pacto social. “Passa pelas instituições públicas, pelas organizações como movimentos sociais e sindical, pela mídia, pelos patrões, governos. Passa ainda por uma mudança curricular, já que a educação é caminho para construção social.  E, necessariamente, pelo sistema de justiça do Brasil, com tipificação e punição severa de casos de racismo. É só assim que acabaremos com esse câncer do país”, diz a dirigente.

Sobretudo, esse pacto tem que estar enraizado na sociedade. A máxima “não basta ser antirracista”, para Anatalina é uma verdade absoluta. “Cada um de nós tem que ter a luta antirracista no cotidiano, através das ações, da conduta, da ideologia, do coração”. E a dirigente deixa uma questão dirigida a todos e todas: “O que você fez hoje para combater o racismo?”