Helder Girão Barreto*
Este texto não é homenagem póstuma, até porque José Henrique está com 75 anos de idade, lúcido, ativo e participativo.
Trata-se de uma resenha a dois livros escritos por ele (República de Estudantes: a saga dos Roraimenses no Pará, 2019; e Sementes da Ventania: prosa, 2022).
Li ambos sem conseguir parar, entre risos e lágrimas, em pouquíssimas horas. A escrita é fluida e agradabilíssima. A sensação é de um dèjá vu, mais ou menos como já vi e vivi isto, que me remeteu imediatamente a Fernando Pessoa, sem heterônimo, no poema Ó Sino da Minha Aldeia: “a cada pancada tua, vibrante no céu aberto, sinto mais longe o passado, sinto a saudade mais perto”.
Eu nunca morei numa República de Estudantes, mas em algo similar, o pensionato masculino. Algum dia, talvez, escreva sobre isto.
Na República de Estudantes, após os aspectos históricos, são narradas estórias do que foi a saga dos Roraimenses que mudaram para o Pará à busca da formação superior e técnica.
São estórias alegres e comoventes, mas sobretudo de camaradagem e resiliência, que envolvem pessoas que se tornaram personalidades, algumas ainda vivas, que desempenharam e desempenham atividades privadas e públicas da mais alta relevância no Estado de Roraima.
O autor diz que uma República de Estudantes sadia é baseada em três pilares: saber viver, saber fazer e saber dizer. Acrescento três: veterano é autoridade; o calouro burro será disciplinado; quem não aguenta, abre. As dificuldades até o limite da fome, o ovo com farinha, ou na sua falta a ciência de catar mangas caídas, as peladas de futebol e o pendura no bar do braga aos finais de semana são comoventes e hoje motivo de risos e lágrimas.
Mas a arte de saber viver do veterano curou várias doenças comuns à juventude da época, o banzo e encaminhou calouro ao caminho do estudo, única razão de estar e permanecer ali.
Na Semente na Ventania o autor faz uma introspecção intimista, mas sem perder a alegria, a saudade do que passou e dos que passaram e, sobretudo, a confiança em Deus e em si próprio.
Aliás, como imaginar que alguém nascido no lugar chamado Centro dos Protestantes, no interior do Maranhão, órfão de mãe e abandonado pelo pai, entregue à criação de parentes, alguns indiferentes e outros violentos, analfabeto até os 10 anos, foi resgatado para Roraima por dois anjos: uma irmã e um tio, onde recebeu conforto espiritual, familiar e material. Quando digo conforto material, digo pobreza digna.
Outros anjos apareceram em sua vida, dentre os quais a professorinha, senhora ilustre e depois matriarca de família admirável, que o ensinou a ler e escrever antes de ingressar na escola; e, a secretária do Superintendente da Sudam, que o acolheu maternalmente e, após aprovação em prova escrita exigente, lhe conseguiu bolsa de estudo e matrícula na Escola Técnica Federal do Pará.
A aprovação no Curso de Economia e o estágio no Incra permitiram-lhe o contato com as ideias e a ação marxista-maoista, assim como a participação indireta na Guerrilha do Araguaia, coisas da juventude que o obrigaram a abandonar o Curso de Economia e voltar escondido para Roraima, com justo receio de sofrer no pau-de-arara da repressão. Desse período cita Ferreira Goular que parodio com outras palavras: quem na juventude não foi comunista, não teve coração; quem na maturidade continua comunista, não tem cérebro.
Esse é José Henrique Ferreira Leite, cuja imortalidade já está na excelência de sua produção literária.
[1]Associado Titular da Academia Roraimense de Letras