Romantizar a maternidade é idealizar uma realidade, criando uma visão otimista e muitas vezes difícil de alcançar. Isso implica estabelecer um padrão ideal e esperar que todas as mulheres o alcancem.
Essa idealização gera uma pressão que resulta numa série de problemas para as mulheres, especialmente para aquelas que são mães de recém-nascidos.
Izabella Melo, professora de Psicologia do Centro Universitário de Brasília (CEUB) destaca desafios enfrentados pelas mães, que variam desde questões de saúde e mudanças corporais até experiências sociais e profissionais, muitas vezes são interpretados como problemas individuais ou falhas da mulher.
A especialista defende o papel da psicologia em fortalecer o vínculo entre mãe e filho durante a gestação e após o nascimento.
Evitar as idealizações
O processo de idealização da maternidade não se limita ao indivíduo; não é simplesmente uma questão das expectativas de uma única mulher, casal ou família. Ele está enraizado em expectativas rigorosas sobre os papéis que as mulheres devem desempenhar, especialmente durante a fase adulta.
“As dinâmicas de romantização da maternidade são alimentadas pela comunicação intrafamiliar, pelo estabelecimento de tradições, crenças, rituais e tabus. E são reforçadas em um contexto social mais amplo, através da mídia, como novelas, filmes e séries “, explica a psicóloga.
Em vez de perpetuar a romantização idealizada, é essencial oferecer apoio realista e prático às gestantes, ajudando-as a navegar por esse período desafiador com mais confiança e conforto.
A literatura frequentemente retrata modelos de mães perfeitas, contribuindo ainda mais para essa idealização. Além disso, as dificuldades enfrentadas pelas pessoas, como questões relacionadas à licença maternidade, à disponibilidade de serviços de apoio e ao suporte psicossocial tanto para a mãe quanto para a criança, criam a expectativa de que é exclusivamente dever da mãe lidar com as demandas dessa fase da vida.
Papel da maternidade
Em relação aos desafios emocionais, é comum identificar mães sobrecarregadas desde a gestação, passando pelo período pós-parto e durante o desenvolvimento dos filhos. Essa sobrecarga pode resultar em sentimentos desagradáveis, como raiva, culpa, decepção e frustração. É importante reconhecer que quanto menos discutimos a romantização da maternidade, mais espaço estamos concedendo para que esses sentimentos se intensifiquem e afetem um número maior de mães.
“Quando pensamos nas figuras emblemáticas de mães, nas várias representações retratando Maria com o filho Jesus no colo, percebemos como a expectativa de abnegação e doação integral da mãe para os filhos pode ser prejudicial para o desenvolvimento psicossocial dessas mulheres. Essa expectativa é simplesmente inatingível, especialmente nos dias de hoje, em que as mulheres são demandadas a se inserir no mercado de trabalho, buscar sucesso financeiro e lidar com uma série de outras responsabilidades. E ainda, espera-se que elas estejam sempre impecáveis, pois qualquer desleixo pode ser interpretado como falta de feminilidade, reforçando assim dinâmicas femininas muito rígidas” ressalta.
A falta de diálogo franco sobre essas expectativas inalcançáveis pode aumentar a sobrecarga da maternidade, que já é naturalmente sobrecarregada. O cuidado parental demanda uma série de atividades de suporte físico, emocional e educacional para os filhos. Se ainda existe a expectativa de fazê-lo de forma perfeita, sem reclamações e amando todo o processo, é provável que observemos a manifestação de sintomas ansiosos ou depressivos, além do agravamento de outros possíveis quadros de saúde mental que a mãe possa ter antes disso.
A importância da terapia
Na virada dos anos 80 para os 90, a psicologia brasileira assumiu o compromisso social de promover e garantir os direitos de todos os cidadãos do país. Isso implica considerar as especificidades de grupos de cidadãos, como as mulheres e as mães. Para garantir esses direitos, são necessários debates francos sobre as diversas experiências de maternidade, bem como políticas públicas que ofereçam segurança para as mães em áreas como educação, moradia, trabalho e lazer. A individualização no cuidado dos filhos, especialmente focada no papel feminino, prejudica a saúde mental das mães na contemporaneidade.
A psicologia, por meio de suas diversas áreas de atuação, pode contribuir para a promoção desses direitos. Na psicologia escolar, por exemplo, podemos pensar em como as relações dentro da escola podem influenciar o bem-estar das mães dos estudantes. Na psicologia do trabalho, a promoção de culturas organizacionais saudáveis e flexíveis pode melhorar a qualidade de vida das mulheres que são mães. E na psicologia clínica, por meio de processos terapêuticos, podemos desconstruir expectativas prejudiciais sobre a maternidade e reconstruir concepções mais saudáveis e promotoras de bem-estar.
A ambivalência que algumas mulheres sentem em relação à maternidade quando desejam a gravidez
Ao abordar a ambivalência que algumas mulheres sentem quando desejam a gravidez, é fundamental que qualquer profissional de saúde compreenda que a maternidade é um fenômeno complexo, repleto de experiências diversas. É comum encontrar sentimentos contraditórios, como amor, estresse, frustração, satisfação, angústia e surpresa, coexistindo dentro desse processo. Ao reconhecer essa diversidade de sentimento em relação aos filhos e à maternidade, podemos acolher a ambivalência de forma mais eficaz.
“Muitas mulheres expressam amor pelos filhos, mas não gostam do processo da maternidade. Isso pode ocorrer devido à solidão, à falta de apoio familiar, social ou de políticas públicas. Por exemplo, para mães solo, uma realidade infelizmente comum no Brasil, o processo da maternidade pode ser especialmente estressante, levando à não apreciação dele.
Desconstruir a romantização da maternidade também implica em reconhecer e discutir a diversidade de sentimentos que uma mãe pode experimentar em relação aos seus filhos. Ao lançar luz sobre essa diversidade, oferecemos um espaço mais inclusivo e acolhedor para as mulheres que estão navegando pelo complexo e multifacetado caminho da maternidade” finaliza a especialista.