Com múltiplas deficiências Ricardo Daniel é um exemplo de vida e inspiração para muitas pessoas. Ele é professor de informática e já demonstrou que as limitações não são impedimento para o desenvolvimento do trabalho. Ele está ministrando o curso “informática para deficientes visuais” para a servidora do Tribunal de Justiça de Roraima, Vera Sábio.
O treinamento que tem carga horária de 30 horas, dividido em 6 horas, duas vezes por semana, utiliza o NonVisual Desktop Access (NVDA) que é um leitor de tela livre, aberto e portátil para a Microsoft Windows. De acordo com Ricardo Daniel, o leitor foi feito por um estudante de uma faculdade australiana, para auxiliar seu colega de curso que ficou cego após um acidente. “É o leitor mais acessível pois é gratuito. Existem leitores mais modernos e melhores, porém custam muito caro, disse”.
O curso tem como metodologia preparar a servidora Vera Sábio, deficiente visual, a utilizar os sistemas do computador. “Eu utilizava o Dos Vox que só permitia que eu fizesse os textos em bloco de notas e os enviasse por e-mail. Agora com o NVDA eu posso ir além e desenvolver melhor meu trabalho” afirmou Vera.
Conforme Vera Sábio é mais fácil aprender com o Ricardo Daniel porque ele é cego e já conhece o leitor, que é cheio de atalhos. “O Ricardo já tinha visto o computador antes e com isso, ele tem uma vasta memória visual. Eu nunca vi um computador na vida, no máximo vi uma máquina de escrever, estou aprendendo a informática básica ainda. Gostaria de agradecer a desembargadora Elaine Bianchi por ter investido nesse curso, pois assim, eu me sentirei mais participativa. Essa capacitação vai fazer uma grande diferença na minha vida profissional” disse.
Vera afirmou ainda que gostaria de continuar, se possível, o curso no ano que vem. “É um curso recheado de informações, e essas 30 horas não contemplou o curso completo. De repente quem sabe uma parceria com outros órgãos e estender o curso para outros deficientes visuais seria interessante. A acessibilidade nas empresas e instituições públicas é muito importante. O deficiente não deve preencher só uma vaga, ele tem que se sentir útil e motivado no trabalho” concluiu.
Lição de vida – Ricardo Daniel aprendeu sozinho a utilizar o NVDA. Em 2001, aos 21 anos começou a perder a visão, mas já atuava na área de informática e fazia faculdade. Ele conta que inicialmente começou a utilizar o Dos Vox, mesmo programa utilizado por Vera, mas como já conhecia a área da informática, viu a necessidade de buscar algo melhor.
O professor possui a síndrome de Devic que acomete o sistema nervoso central, fazendo com que o próprio organismo produza anticorpos que atacam a medula espinhal e os nervos ópticos.
A doença começou a se manifestar por volta de 2001 quando Ricardo percebeu a vista embaçando. Ele afirma que procurou vários especialistas além do oftalmologista, porém passados seis meses não havia um diagnóstico. Em 2002 começou a mancar da perna esquerda. A busca pelo diagnóstico para seu problema continuou, obrigando-o a ir para fora do Estado quando descobriu que tinha a síndrome. Devido a necessidade de tratamento e dificuldades em conseguir a medicação adequada, ele ficou em coma em 2003 por três meses.
Ele conta que quando acordou não falava, nem comia e não movimentava o corpo. Com o tempo foi melhorando com fisioterapia e medicação. Voltou a sentar, comer e tomar água. Em 2007, médicos indicaram o uso de botox para ajudar a liberar a musculatura para alongar o braço.
Todos esses problemas não o impediram de seguir em frente. Conta com duas faculdades de informática, especialização e mestrado, todas concluídas após esse período. Já deu aulas na Associação dos Deficientes Visuais, Senai, Universidade Federal de Roraima e hoje é professor na Escola Estadual Gonçalves Dias pela manhã e no Instituto Federal nos períodos da tarde e noite para pessoas com ou sem deficiência. Também ministra cursos e palestras. Quem tiver interesse pode contactá-lo pelo número 991416895.
Para Ricardo Daniel essa proposta do Tribunal de Justiça de Roraima em investir em capacitação para o servidor é muito interessante e louvável. “Outros órgãos não tem recurso ou até interesse em integrar o deficiente no ambiente de trabalho. Ou o deficiente tem que entrar sabendo, ou fica parado apenas preenchendo aquela vaga. Existem também os deficientes que não querem sair da sua zona de conforto, acreditando que não são capazes ou por falta de incentivo também. Eu digo que o deficiente faz parte da solução do problema da vida dele. Ele deve sair da sua zona de conforto e ir em busca de seus direitos. Todos somos capazes” concluiu.