Sebastião Pereira do Nascimento*
Aqui neste espaço, tenho frequentementecolocado algumas opiniões a respeito do agronegócio e seus diversos impactos negativos. Impactos esses que tendem a se acumularà proporção que aumenta a área de plantio a cada ano. Diante dessa realidade, ao comparar todos os prejuízos com os bônus oferecidos por essa monocultura de grande escala, os ônus são elevados a níveis colossais, sobretudo quando avaliados do ponto de vista ambiental e social. Ainda que sob a ótica monetária, o setor também fica devendo em função dos altos custos gerados ao país.
Por outro ângulo, é recorrente entre os defensores do agronegócio a ideia de que a monocultura local gera riqueza e alimentos para o Brasil e o mundo. Uma ideia que não encontra amparo nos setores da agricultura familiar, nem nos estudos socioeconômicos, nem mesmo na população em geral. Dados estatísticos da agricultura familiar de 2023, divulgados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Contag) e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a partir de dados divulgados pelo IBGE, mostram que a agricultura familiar é a principal responsável pela produção de alimentos no Brasil. São 3,9 milhões de pequenas propriedades rurais, o que representa 77% de todos os estabelecimentos agrícolas. O estudo sugere ainda que se todos os agricultores familiares do Brasil formassem um país, seria o oitavo maior produtor de alimentos do mundo: com produtos saudáveis e manejo sustentável dos recursos ambientais. Fonte: Agência Brasil, 26/07/2023.
Considerando isso, a ideia ilusória de autossustentabilidade do agronegócio, também foi rebatida pela tragédia ambiental ocorrida recentemente no Rio Grande do Sul, a qual destruiu parte considerável da produção rural familiar, evidenciando a certeza de que agronegócio não tem a capacidade sozinho de alimentar o país e muito menos o mundo. Logo, o que ficou patente para todos nós foi a grande capacidade que tem o agronegócio de desencadear efeitos deletérios a natureza, podendo mesmo influenciar violentamente nas mudanças climáticas.
A escassez de alimento, em especial o arroz (principal cereal consumido no Brasil), é o que mais revela a incapacidade alimentar do agronegócio. Dados do IBGE apontam que quase todo o arroz que produzido no Brasil vai para consumo interno. Sendo o Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz do país, responsável por 70% da produção nacional. Porém, segundo ainda o IBGE, há mais de 20 anos a colheita anual no país se mantém na casa das 11 milhões de toneladas, enquanto a demanda é de cerca de 12 milhões de toneladas. Com esse déficit, o país precisa importar o grão de outros países para completar o consumo nacional. Sendo os principais fornecedores a Argentina, o Uruguai e o Paraguai — aqui é muito fácil compreender que, caso o agronegócio produzisse realmente alimentos suficientes, o Brasil não precisaria importar arroz, como vem fazendo há anos.
Atualmente, a área plantada de arroz no Brasil é de 1,7 milhão de hectares, sendo que mais de 900 mil hectares são apenas no RS, aponta o IBGE. E além dessa escassez, o Brasil vem sofrendo uma queda da área plantada, que já chegou atingir cerca de 5 milhões de hectares. Na atualidade, a perda de espaço (tanto do arroz quanto do feijão) é convertida em área para soja e milho, destinados quase que totalmente para exportação.
Esses números evidenciam claramente que o agronegócio brasileiro não é o celeiro do mundo e, como já mencionado, não chega nem alimentar o país. Cabendo, portanto, a produção de alimento quase que totalmente proveniente das pequenas propriedades rurais, onde as famílias de pequenos agricultores produzem arroz, feijão, verduras, frutas, leite, ovos, etc. Sendo a horticultura uma produção totalmente provinda da agricultura familiar.
Uma parte menor da cadeia alimentar no Brasil vem do agronegócio, através de produtos envenenados: industrializados e ultraprocessados, que têm péssima qualidade nutricional, além do alto teor de elementos tóxicos. Apesar disso, o consumo desses produtos ultraprocessados vêm crescendo a cada ano, em resposta a falta de incentivo governamental à agricultura familiar, que, embora sem muito apoio, é quem coloca realmente alimentos na mesa dos brasileiros (no geral, sem o uso de agrotóxicos). Logo, por falta de maiores incentivos, os estabelecimentos familiares rurais têm perdido muito do seu papel na produção de alimentos que compõem o pão nosso de cada dia.
Os geógrafos, Marco Antônio Mitidiero (Universidade Federal da Paraíba, UFPA) e Yamila Goldfarb (Associação Brasileira de Reforma Agrária, ABRA) vêm, nos últimos anos, desenvolvendo relevantes estudos avaliando várias questões do agronegócio (dados fiscais de produção, exportação, geração de emprego, impactos ambientais, concentração de renda, entre outros) e, a princípio, consideram que esses estabelecimentos rurais usam diversas estratégias para constituir um consenso entre a sociedade brasileira de que é o setor mais dinâmico, moderno e importante da economia nacional. Todavia, as análises dos números fazem concluir que, na verdade, trata-se de um setor que recebe muito e contribui pouco para o Brasil.
Mitidiero & Goldfarb, também rechaçam a falácia de que o agronegócio brasileiro é o celeiro do mundo. Para os professores, essa atividade agromercantil não alimenta o mundo, muito menos a população brasileira. E, além disso, os produtos encampados pelo agronegócio perfazem os alimentos mais afetados pela inflação, com aumento de preço três vezes maiores que os demais alimentos, segundo os geógrafos. Ademais, além de atuar de forma ostensiva nas instituições de poder do país, o agronegócio investe pesado em propaganda para garantir uma boa imagem perante a opinião pública, se colocando como o “motor” da economia e dizendo que é sustentável. Mas, na verdade, sabe-se que não é assim.
Sobre esse aspecto, o professor Marco Mitidiero acrescenta que, embora o agronegócio seja, na atualidade, o setor da economia que mais exporta, todavia, essa exportação leva o Brasil ao que ele chama de reprimarização da economia, isto é: “[…] uma economia pautada em produzir matérias-primas e importar produtos industrializados”. Onde em relação a outros países, segundo professor, “[…] o Brasil aparece como um dos cinco países que sofre o maior processo de desindustrialização. […] uma inserção subalterna do país no mercado mundial”.
Outro alerta dos pesquisadores, é que a alegação da modernidade, ao lado do pretenso dinamismo do setor, que estaria por trás da geração de empregos e de riquezas para o país também não se sustenta. As análises do estudo mostram que o agronegócio quase nada contribui para a arrecadação de impostos [apesar dos altos custos para o país], bem como para a balança comercial. “O Brasil tem status absolutamente subalterno na economia mundial. O superávit da balança comercial, propalado pelo agronegócio, não significa desenvolvimento econômico. O Brasil exporta commodities, como soja e milho, sem valor agregado. Continuamos com a economia colonial, baseada na exportação de produtos primários e importação de industrializados”, conclui a geógrafa.
Vendo todos esses contraditórios, seria oportuno que os tomadores de decisão (governo federal, governadores e prefeitos) saíssem do assistencialismo e desse mais atenção a agricultura familiar. Visto que, pela importância que tem para o país, esse setor produtivo deveria ter prioridades em qualquer agenda governamental, pois se trata de uma produção agropecuária praticamente isenta de agrotóxicos e reduzido impacto ambiental. Além disso, seus produtos são comercializados in natura ou minimamente processado. Diferente do agronegócio, que excede em muito os limites de impactos no meio ambiente e do uso de agrotóxicos, muitos deles altamente nocivos à saúde humana.
Para Marco Mitidiero, o agronegócio vem influindo fortemente na política pública de gestão ambiental no Brasil, contribuindo para as catástrofes climáticas que começam a fazer parte do cenário brasileiro: “O que acontece no Brasil é o exemplo da influência do agronegócio na gestão pública, onde a narrativa do progresso usado pelo agronegócio é um discurso que diz: preservar a natureza barra o progresso. Para isso, afrouxam às leis, aplicando a tese do “estado mínimo”, um modelo onde não precisa ter regulamentação nem pode bloquear o desmatamento, [onde é permitido] a ocupação de áreas de interesse natural importante, como a beira dos rios. Um exemplo cabal disso é o governo do Eduardo Leite no Rio Grande do Sul, considerado uma referência na aplicação do estado mínimo. A segunda dimensão do que está acontecendo no Brasil é que o impacto causado pelo agronegócio vem destruindo solos, rios e florestas. Isso é resultado do [atual] modelo de exploração do campo no país”, esclarece Mitidiero.
Na mesma linha, Marco Mitidiero sacramenta também que a monocultura no Brasil se ergueu à custa da espoliação dos recursos públicos, onde “[…] o agronegócio é uma espécie de parasita do estado brasileiro. Ele recebe muito do estado e devolve muito pouco”. Sobre o agrotóxico, o geógrafo ratifica que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo, algo que traz impactos estarrecedores à população e ao meio-ambiente. É notório também o peso do lobby ruralista dentro do Congresso Nacional, no intuito de aprovar isenção tributária para aquisição de veneno, barateando os custos em função da isenção tributária e garantindo o aumento da margem de lucro aos agropecuaristas. Por outro lado, para a agricultura familiar, praticamente não há incentivo e muito menos interesse da bancada ruralista em pautar alguma agenda positiva para esse setor produtivo, que passa ser cada vez mais no alvo de latifundiários, grileiros, pistoleiros e milícias rurais.
Em vista de tudo isso, fica claro a necessidade dos entes públicos tomarem outro rumo no processo de condução política da agropecuária brasileira. No caso do governo federal, mesmo reconhecendo o esforço do presidente Lula quanto seu empenho em fortalecer a agricultura familiar, a impressão que fica é que muito precisa ser feito. Tanto no sentido de priorizar apoio aos pequenos e médios produtores, quanto a necessidade de diversificar e frear o ímpeto danoso do agronegócio no Brasil. O qual converge as atividades rurais que mais causam dispêndios aos cofres públicos, conflitos agrários e prejuízos ambientais.
Não obstante, paira sobre os pequenos e médios produtores rurais uma nuvem de desconfiança relativa ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. Agropecuarista e um dos maiores incentivadores do agronegócio. Foi vice-presidência da Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja Brasil) e presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja-MT). Essas atuações somaram forças para ingressar na política como senador (membro da bancada ruralista) e para sua indicação ao Ministério da Agricultura e Pecuária.
Politicamente pressionado pelos desastres ambientais ocorridos no Rio Grande do Sul, o ministro Carlos Fávaro vem pautando narrativas de “boa” política agrícola, mas que, na prática, não convence os produtores da agricultura familiar, sobretudo pelas incertezas se as propostas de apoio ao setor vão ou não acontecer. Já que após um ano e meio à frente da pasta da Agricultura, quase nada de benefícios foram entregues aos pequenos e médios agricultores, enquanto para o agronegócio as oferendas foram substancialmente generosas. Algo bem semelhante à política do governo passado que, diante de uma administração nefasta, priorizou as grandes monoculturas em detrimento da agricultura familiar.
Assim, perante as falácias do ministro e o cenário de incertezas, outra impressão que fica é que o presidente Lula parece ter colocado no Ministério da Agricultura e Pecuária, uma raposa para vigiar o galinheiro. Onde Carlos Fávaro, além de entulhar o ministério com assessorias ligadas ao agronegócio, segue na contramão da proposta de campanha — para a agricultura familiar —, defendida em 2022 pelo então candidato Lula. Portanto, essas desconexões e a relação estreita do ministro Fávaro com o agronegócio é o que vem reprimindo a expectativa dos agricultores tradicionais, quanto uma saudável política agrícola no país.
*Consultor ambiental, filósofo e escritor. Livros publicados: “Sonhador do Absoluto” e “Recado aos Humanos” (Editora CRV). Coautor dos livros “Pandemia: Poemas, Contos e Microcontos” (Editora da UFRR) e “Vertebrados Terrestres de Roraima” (BGE).
*As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal