JESSÉ SOUZA

Faixa de pedestre para animais e o flagrante abuso em uma movimentada rodovia

Faixa de pedestre instalada em frente de fazenda serve apenas para travessia de animais na principal estrada do Amajari
Faixa de pedestre instalada em frente de fazenda serve apenas para travessia de animais na principal estrada do Amajari
Instalação de faixa de pedestre na RR-203, principal rodovia do Amajari, foi feita por conta própria e sem qualquer critério

O estranho caso de uma faixa de pedestre instalada em uma rodovia estadual que serve apenas para travessia de animais que deveriam estar confinados em currais ou dentro dos limites das cercas da fazenda. Embora possa parecer inconcebível, essa é uma realidade na RR-203, rodovia estadual que corta o Município de Amajari de sul a norte e que dá acesso ao principal ponto turístico de Roraima, a Serra do Tepequém.

Além de servir exclusivamente para travessias de animais de uma fazenda, há algumas sérias irregularidades na instalação dessa faixa, a começar pelo fato de a sinalização ter sido instalada por conta própria, serviço este realizado pelos trabalhadores de uma fazenda que pertence a uma autoridade que tem como obrigação fiscalizar. Só aí estão duas situações que conflitam com as normas legais.

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não permite que qualquer pessoa implante sinalização de trânsito por conta própria. O artigo 90 do CTB assinala que o órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via é o responsável pela implantação da sinalização, respondendo pela sua falta, insuficiência ou incorreta colocação. Ou seja, a implantação de sinalização deve ser requerida ao órgão pertinente.

Outra questão é que foram usados “tachões” ou “olho de gato” não com o intuito de sinalizar a faixa de pedestre, que fica em um local difícil de ser visualizado pelos motoristas, mas de servir como redutor de velocidade justamente por em um trecho de pouca visibilidade e onde os condutores estão em velocidade comum em uma rodovia estadual.

Logo, como não há qualquer placa alertando os condutores para a sinalização que atravessa a pista, os condutores são obrigados a frear bruscamente. Os que passam direto ficam sob sério risco de sofrerem graves acidentes ou de terem sérios danos na suspensão dos veículos.

Nesse quesito, há outras irregularidades. Uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) proíbe o uso de tachas e tachões reflexivos – popularmente conhecidos como “olho de gato” – no sentido transversal à pista, como sonorizadores ou redutores de velocidade. Só aí já está identificada outra irregularidade, pois a real utilidade dos tachões é sinalizar a transposição de faixa de trânsito, invasão de marca de canalização e transposição de mini rotatória.

Outra questão legal é que as faixas de pedestres devem estar bem sinalizadas, com a finalidade de evitar possíveis acidentes ou riscos que possam colocar em jogo a segurança das pessoas. Mas este não é o caso da faixa implantada por conta própria em frente a uma fazenda.

Tem mais. Os legisladores reconheçam que nas rodovias os veículos trafegam em altas velocidades, por isso criaram uma série de regras para a utilização das faixas em rodovias com a finalidade e evitar risco aos próprios pedestres bem como aos motoristas que param nas faixas. Sendo assim, para ser colocada uma faixa de travessia de pedestres sobre uma rodovia existem regras a serem seguidas.

A principal delas é a necessidade de estudo técnico prévio, justificando sua necessidade apenas quando for um local com significativa travessia de pedestres, mas sempre levando em consideração a localização de melhor visibilidade, sendo muito arriscado colocar a travessia em aclives ou declives, após ou antes de curvas ou em locais com vegetação que não permita boa visibilidade.

No caso da faixa em questão, ela foi instalada em uma subida/descida que não permite qualquer visão por parte do condutor, sem contar que não há qualquer placa alertando. A lei prevê a utilização de placas de sinalização do tipo A-32b (PASSAGEM SINALIZADA DE PEDESTRES), conjuntamente à placa R-19 informando a velocidade máxima de 40 km/h a pelo menos 100 a 50 metros antes da travessia, de ambos os lados da via.

Além disso, ali não há fluxo de pedestre e o local da instalação da faixa é a entrada para a cocheira de alimentação dos animais, que deveria ficar fechada, mas lá sequer existe uma porteira, o que permite a travessia de animais a qualquer hora do dia ou da noite, propício a graves acidentes principalmente para quem anda de moto.

Logo, estamos diante de um flagrante abuso, em que uma autoridade mandou construir uma faixa de pedestre com tachões por conta própria, sem estudo prévio, fora das normas, sem sinalização qualquer e, por mais absurdo que possa parecer, que serve apenas para travessia de animais da fazenda.

Enquanto as autoridades de trânsito permitem esse flagrante abuso e ilegalidade em uma movimentada rodovia estadual, fazendo vista grossa para uma faixa de pedestre exclusiva para animais, da mesma forma ignoram a reivindicação dos moradores do principal ponto turístico do Estado, a Serra do Tepequém e de outras vilas ao longo de rodovias, que clamam por faixas de pedestre, redutores de velocidade e fiscalização, onde condutores cometem abusos, como excesso de velocidade e direção perigosa.

Ou será que, em terra de fazendeiros e autoridades, animais têm mais direito do que os cidadãos contribuintes?

*Colunista

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