O final de semana foi marcado por um clima de tensão entre brasileiros e venezuelanos, com protestos contra estrangeiros, deslocamento de imigrantes e a necessidade de atuação da Força Nacional para realizar a segurança nos arredores do abrigo localizado no bairro Jardim Floresta. Os atos são reflexos da confusão registrada na semana passada, que resultou na morte de um brasileiro e um venezuelano.
A princípio, segundo informações da Diocese de Roraima, os cerca de 300 venezuelanos que viviam nas ruas, próximo ao abrigo, sofreram um atentado na madrugada do sábado, 8, com disparos ‘de alerta’ com armas de fogo, próximo às barracas improvisadas. A Polícia Militar, no entanto, não confirmou o ocorrido.
Em seguida a este acontecimento, 88 venezuelanos embarcaram em um ônibus com destino à Pacaraima, na fronteira. De lá, seguiriam até Santa Helena, onde embarcariam em outro ônibus. A informação preliminar era que a viagem estava sendo organizada pelo Consulado da Venezuela, mas depois foi confirmada que era administrada pela Igreja Cristã Nazaré de Caracas.
Os venezuelanos juntaram seus poucos pertences e choraram ao embarcar. “Eles estavam sendo tão maltratados aqui, que preferiram morrer de fome, que viver nessa angústia”, afirma a Irmã Telma Lage, coordenadora do Centro de Migrações e Direitos Humanos da Igreja Católica.
Alguns dos demais venezuelanos, que não puderam seguir viagem, foram levados para outro espaço pela Igreja Católica, em local não informado para garantir a segurança dos imigrantes. Mulheres e crianças também foram deslocadas para dentro do abrigo do Jardim Floresta, pela Força-Tarefa Humanitária.
A coordenadora, no entanto, ressaltou que conversou com alguns dos membros da igreja de Caracas, mas não tinha como atestar se os venezuelanos estavam sendo levados para um lugar melhor.
“Eles chegam e levam. A gente não tem nada de segurança. Eles dizem que vão fazer, mas quem garante? Ficamos muito preocupados”, frisou Irmã Telma.
Imigrantes adentram abrigo do Jardim Floresta
Ainda pela manhã, imigrantes sofreram ameaças de um motociclista ainda não identificado e correram em direção aos portões do abrigo do Jardim Floresta. Sobre o fato, a Força-Tarefa Logística Humanitária emitiu nota esclarecendo que os estrangeiros tiveram essa atitude para se proteger.
A Força-Tarefa explicou que estava coordenando uma ação emergencial de retirada das pessoas da rua e que os homens seriam alojados em uma igreja próxima, às 14h. No entanto, por volta das 13h, um homem em uma motocicleta ameaçou verbalmente os imigrantes que se assustaram com o barulho do escape da moto, pensando se tratar de disparos e correram para o abrigo.
“Os soldados foram orientados a deixá-los entrar para evitar ação movida pelo medo. Ao adentrar o abrigo, os homens se armaram de paus, pedras e ferros de uma cama elástica que estava desmontada devido à chuva, e correram para o portão para se defenderem, o que foi impedido pelos soldados ali presentes”, diz a nota.
Devido à situação, algumas mulheres passaram mal e foram atendidas por médicos do Exército. A Força-Tarefa reforçou ainda que “em nenhum momento houve invasão do abrigo”.
Manifestantes cantam hino nacional em enterro de brasileiro
Por volta das 15h, o cortejo fúnebre que acompanhava o velório do brasileiro Manoel Siqueira se dirigiu até o cemitério Campo da Saudade, no bairro Centenário, para o sepultamento. Durante todo o trajeto, os acompanhantes em carros e motos buzinaram em protesto, gritaram “Fora, Venezuelanos” e acenaram uma bandeira do Brasil. O grupo foi acompanhado por uma viatura da PMRR.
Leno Cruz, amigo de Manoel e agente da funerária responsável pelo cortejo, disse que a ação tinha como objetivo chamar a atenção dos órgãos competentes.
“Nos sentimos ameaçados, oprimidos por eles. Eles não respeitam mulheres, crianças, pais de família. Abrimos as portas pra eles com amor e nos devolveram com violência”, justificou.
Ele disse ainda entender que a criminalidade já existia antes da chegada dos imigrantes, mas que acredita que os casos aumentaram depois do fluxo migratório.
MANIFESTO – Após o enterro, manifestantes percorreram a pé as ruas do bairro até o abrigo Jardim Floresta, alguns deles com camisas da seleção brasileira. Eles cercaram o local portando cartazes pedindo providências das autoridades, o fechamento da fronteira e expulsão dos imigrantes do Estado.
A Força Nacional, que já estava no abrigo, reforçou a segurança no portão de entrada e dos veículos que passavam na Avenida Carlos Pereira de Melo. A manifestação foi encerrada no início da noite, por volta das 19h.
Cerca de 200 imigrantes em situação de rua são levados para novo abrigo
Na madrugada de domingo, 9, por volta das 4h da manhã, a Força-Tarefa Logística Humanitária executou mais uma operação de retirada, de cerca de 200 venezuelanos em situação de rua e vulnerabilidade. O ato também foi acompanhado por organizações não governamentais.
As pessoas foram levadas para o Posto de Triagem de Boa Vista, ainda em fase final de construção, para serem cadastradas e para passarem por triagem antes de serem abrigadas. Os imigrantes foram levados aos abrigos da cidade, de acordo com o perfil de cada um dos abrigos e quantidade de vagas disponíveis, disse a Força-Tarefa.
“As vagas foram disponibilizadas após o processo de interiorização que aconteceu recentemente, nos dias 4 e 5 de setembro, quando imigrantes foram transferidos para outros Estados, com ajuda do Governo Federal”, completou a nota.
ENTENDA O CASO – As ações de segurança e os protestos ocorreram devido a uma confusão registrada na noite de quinta-feira, 6, que resultou na morte de duas pessoas. De acordo com a Polícia Civil, o venezuelano José Antônio, de 19 anos, teria cometido um assalto em um mercado no Jardim Floresta.
Ao tentar fugir correndo do local, foi seguido por um grupo de brasileiros que estavam perto do estabelecimento. O brasileiro Manoel Siqueira de Sousa, 35 anos, teria sido o primeiro a chegar, por estar de bicicleta. Ao tentar imobilizar o venezuelano, teria levado um golpe de faca no pescoço.
Os demais brasileiros teriam então agredido o imigrante até a morte. Manoel chegou a ser levado ao pronto socorro, mas não resistiu aos ferimentos e também veio a falecer. A Polícia Civil disse que vai investigar os casos. (P.C.)