Até o final do dia de hoje, pelo menos 165 mulheres serão estupradas no Brasil. Os números podem ser significativamente maiores, levando em consideração a falta de registro nas delegacias ou omissão nas denúncias. Esse quantitativo é o resultado de 60.018 estupros ocorridos em 2017, um total de 8,4% a mais do que o ano anterior, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os casos de violência contra a mulher no país continuam aumentando de um ano para outro. Em 2017 foram 221.238 registros de violência doméstica, em média de 606 casos por dia amparados pela Lei Maria da Penha. Esses números mostram a cultura violenta quando retrata casos contra a mulher brasileira e o silenciamento dessas vítimas.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, até junho deste ano, já foram 72.839 denúncias feitas no Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, desse número), 5.978 são de violência sexual. Roraima foi o segundo estado da Região Norte que mais registrou essas denúncias, com um percentual de 34,6%.
Dentre algumas medidas tomadas para tentar evitar ou diminuir os danos causados, a Lei nº 12.845/13, em vigor há cinco anos, dispõe do atendimento obrigatório e integral para pessoas vítimas de violência sexual. Nos hospitais, deve ser oferecido o tratamento emergencial e multidisciplinar, com a aplicação de medicamentos para evitar gravidez, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e acompanhamento psicológico.
Além dessas ações imediatas, o serviço deve facilitar o registro da ocorrência e encaminhar ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas para que possa ocorrer a identificação do agressor e a comprovação do abuso sexual.
Dados são divergentes
A equipe da Folha entrou em contato com a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) para saber a quantidade de atendimentos prestados às vítimas de violência sexual que receberam os tratamentos determinados por lei.
Conforme a assessoria de comunicação da Sesau, não existe a separação nos atendimentos, portanto, não há dados referentes a isso. Questionados sobre a normativa da Lei sobre o apoio médico imediato, a Secretaria disse que “o atendimento com certeza é feito, mas quando chega na estatística não diz quantos pacientes foram atendidos por violência sexual ou por ansiedade, só tem o geral. Não separa de cada motivo. Mas atendimento psicológico não é negado à ninguém”.
POLÍCIA CIVIL – Outro problema encontrado pela equipe foi a incompatibilidade nos dados referentes aos crimes de estupro. No começo do mês de agosto, a Delegacia-Geral da Polícia Civil disponibilizou dados sobre o crime informando que em 2016 foram 72 casos registrados, em 2017 teriam sido 173 e até julho de 2018, foram 138. Entretanto, duas semanas depois, a Polícia Civil enviou novos dados, que contabilizavam números bem menores.
A assessoria de comunicação da Polícia Civil foi contactada na quinta-feira, 13, para esclarecer a real quantidade de casos registrados e se os dados enviados depois teriam sido apenas feitos na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). Na sexta-feira, 14, a assessoria informou apenas que enviou o questionamento para a estatística e que “talvez semana que vem esteja pronta”.
Esse quantitativo divergente é refletido nas pesquisas brasileiras de segurança pública. O Atlas da Violência 2018 apontou que 234 casos de estupro ocorreram em 2016. Já o 12º Anuário de Segurança Pública 2018 fala que o número foi de apenas 82 e, em 2017, seriam 193.
“Estado é omisso”, afirma socióloga
Para a socióloga e representante do Núcleo de Mulheres de Roraima (NUMUR), Andrea Vasconcelos, é nítida uma ausência e falta de seriedade do Estado em fazer os registros e notificações de crimes cometidos contra a mulher, principalmente em crianças.
“Os crimes são banalizados. Quando a gente procura as informações, serão distorcidas porque a DEAM tem um dado e o Fórum de Segurança Pública tem outro. Isso é muito ruim porque não consegue alcançar o quadro real de dados de violência contra a mulher, não consegue mensurar isso”, explicou.
Essa falta de notificação dos dados atinge principalmente as políticas públicas que deveriam ser feitas para o entendimento da violência e ações de diminuição dos casos. “O Estado é omisso, não procura soluções. Eles [agentes policiais] têm uma soberba tão grande que questionam os dados e informações dos institutos que têm reconhecimento internacional”, prosseguiu.
Traumas serão carregados pelo resto da vida
A falta de preparo para atendimentos de vítimas de estupro é outra forma de ataque, conforme a psicóloga Cláudia Valverde.
“Sou presidente da Comissão de Direitos Humanos de Psicologia e acompanhei uma moça que sofreu violência. O governo não tem dados nenhum. Fora o abuso sexual, ela foi revitimizada em todo o processo de procurar ajuda, foi cruel. Fomos na delegacia e estava fechada. Não escolhemos horário do crime”, garantiu.
Cláudia ressaltou que os traumas ocasionados por um crime de abuso sexual serão carregados durante toda a vida, mas que com o acompanhamento psicológico pode diminuir as problemáticas derivadas do estupro. Em crianças, crimes são mais frequentes justamente pelo terror psicológico que sofrem.
“É preciso conversar sempre com as crianças, perceber se houve mudança repentina de comportamento. Ela pode demonstrar de diversas formas, com desenhos ou evitar estar no mesmo lugar que o abusador”, apontou. (A.P.L)