Grupo de 38 indígenas Sanoma em vulnerabilidade vive em abrigo de lona na capital

Os indígenas vivem há dois anos no abrigo improvisado e pedem um lugar digno para permanecerem na cidade

Os indígenas Sanoma, são da comunidade Olomay, na região de Awaris, no Território Yanomami (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)
Os indígenas Sanoma, são da comunidade Olomay, na região de Awaris, no Território Yanomami (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Abrigos feitos de lona e madeiras, alimentação obtida a partir de doações, sem acesso à água tratada. São nessas condições em que vive um grupo de 38 indígenas Sanoma, que, há dois anos, mora em um abrigo improvisado com lonas, localizado em uma área de mata em Boa Vista.

Os indígenas Sanoma, ligado ao povo Yanomami, vieram da comunidade Olomay, na região de Awaris, na Terra Indígena Yanomami (TIY). A FolhaBV foi até o local e constatou a situação de vulnerabilidade em que vivem os indígenas. Em dias de chuva, a água invade o abrigo, devido à falta de estrutura.

Durante conversa com Kaci Sanoma, de 50 anos, um dos primeiros do grupo a chegar na capital, ele explicou que a vinda do povo para a cidade começou com seis indígenas, incluindo Kaci, que conseguiram carona.

Kaci Sanoma foi um dos primeiros do grupo a vir da comunidade Olomay para a capital (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV))

Ele relatou que, aos poucos, mais pessoas vinham à capital para realizar algum tipo de tratamento médico, mas decidiram não retornar mais para o local de origem. Conforme Kaci, nas comunidades indígenas falta atendimento à saúde e ocorrem inúmeras situações de violência, as quais não querem enfrentar de novo.

“A Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] queria nos tirar daqui e nos colocar em um lugar mais longe. Temos uma criança aqui que passa mal demais e está muito doente. Se nos deixarem longe, não vamos conseguir remédio e nem ir no posto de saúde. Querem nos levar para o mato”, afirmou.

Apesar de terem recebido a proposta da Funai de serem realocados em outro lugar, se recusam a aceitar, pois ficariam longe da cidade, onde querem permanecer. Segundo Kaci, o grupo busca se estruturar em um abrigo apropriado na capital e deseja ter documentos, como certidão de nascimento, carteira de identidade e títulos de eleitor.

“A gente quer uma vida melhor. Na área indígena faltava tudo. Aqui, a gente come melhor do que lá. Criança come bem aqui. Eu e outro parente recebemos auxílio Bolsa-Família, então a gente junta e consegue comprar frango e outras coisas. As pessoas ajudam a gente também. […] A gente quer ir para um lugar melhor e viver como cidadão”, disse.

Além disso, Kaci e outros do grupo, entre crianças, adolescentes e adultos, têm interesse em frequentar à escola. É o caso de Celso Sanoma, de 26 anos, que vive no abrigo desde o início deste ano. Ele veio para Boa Vista com o objetivo de estudar. “Fiz até o 6º ano [do ensino fundamental] lá. Quero fazer até o ensino médio aqui e trabalhar”.

Celso Sanoma, de 26 anos, deseja estudar na capital (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV))

Acesso ao tratamento médico

Dos 38 indígenas no abrigo improvisado, 14 são crianças, sendo uma delas PCD (Pessoa com Deficiência). Paloma Sanoma, de 49 anos, é mãe do Gustavo Sanoma, de seis, diagnosticado com epilepsia. Ela decidiu vir para Boa Vista em busca de tratamento médico adequado para o filho.

“Faz dois anos que cheguei aqui. Eu não quero ficar muito longe da cidade por causa do meu filho. Quero estar perto de um hospital, isso é o mais importante. Na minha comunidade, só chegava milharina [flocos de milho] e leite. Era pouca comida, meu filho passava fome. Aqui ele come melhor”, relatou.

Denúncia aos órgãos públicos

O Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente de Roraima protocolou uma denúncia a respeito da situação no dia 2 de julho. O documento foi destinado aos Ministérios Públicos Federal (MPF) e do Estado de Roraima (MPRR) e às Defensorias Públicas do Estado de Roraima (DPE-RR) e da União (DPU).

Na denúncia, a organização afirma que a situação é “desumana” e coloca a vida dos indígenas em risco, devido à “incidência de tráfico de drogas e prostituição” na região do abrigo. Diante disso, o Fórum solicitou a remoção desse grupo para um local, em Boa Vista, “que assegure a sua proteção integral, em especial das crianças e dos adolescentes”.

A FolhaBV procurou os órgão citados na denúncia. O MPRR informou que recebeu a denúncia e vai analisar, por meio do Grupo de Atuação Especial de Vítimas, Minorias e Direitos Humanos (GAEVI-MDH), os fatos relatados. Concluída essa fase, irá tomar as providências cabíveis ao caso.

Em resposta, a DPU afirmou que iniciou o acompanhamento do caso, por meio da Defensoria Regional de Direitos Humanos de Roraima (DRDH/RR). Além disso, solicitou informações à Funai, que também foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou até a publicação da matéria. Também não houve retorno do MPF.

Já a DPE-RR se manifestou por meio da seguinte nota:

A Defensoria Pública do Estado de Roraima (DPE-RR) informa que recebeu o ofício do Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente de Roraima e encaminhou a denúncia ao Grupo de Proteção dos Direitos Humanos (GPDH).

O GPDH tem a função de investigar e tomar as medidas necessárias para garantir a proteção dos direitos fundamentais das pessoas, especialmente das populações mais vulneráveis. A DPE-RR reitera o seu compromisso com a defesa dos direitos humanos e assegura que todas as devidas providências serão tomadas para apurar o caso e proteger o grupo de indígenas envolvido.

Indigenista propõe centro de formação no Ajarani

Com o objetivo de evitar que indígenas Yanomami saiam das comunidades e enfrentem situações de vulnerabilidade nas cidades, a indigenista e escritora italiana, Loretta Emiri, tem se dedicado à criação do Centro de Formação Yanomami. A proposta dela, apresentada à Funai, é que o espaço seja localizado na região do Ajarani, dentro do perímetro da Terra Indígena Yanomami, no município de Caracaraí.

“Estou divulgando essa proposta desde janeiro de 2023. A ideia é que esse espaço dê a primeira assistência a esses Yanomami, para evitar que eles venham para cidade. O centro cuidaria deles, se sensibilizaria e daria uma formação de curso profissionalizante nas áreas de educação, saúde e conscientização”, disse.

Indigenista italiana Loretta Emiri (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV))

Segundo Loretta, a proposta foi analisada pela Funai, em Brasília, e encaminhada à unidade de Roraima. Afirmou ainda que as entidades públicas têm a obrigação de se posicionarem e se sensibilizarem a respeito dessa situação, a fim de resolvê-la.

“Muitos indígenas saem das comunidades para receberem benefícios e conseguirem remédios. Porém, na cidade, esses indígenas são praticamente abandonados. Vivem na rua, são atropelados, assassinados e entregues ao vício em álcool e drogas. É uma situação desesperadora”, expôs.

A reportagem questionou a Funai sobre o andamento do projeto “Moyãmi Thèpè Yãno – A Casa dos Esclarecidos – Centro de Formação Yanomami”, mas não recebeu resposta do órgão.