Os pacientes do tratamento de hemodiálise na Clínica Renal de Roraima relatam medo diante da suspensão das sessões, ocasionada pela falta de pagamento da Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) à unidade. Devido a essa situação, os salários dos funcionários estão atrasados e as sessões foram reduzidas de cinco para três dias na semana.
Dentre os 300 pacientes renais crônicos da unidade de saúde, está José Ferreira de Sousa, de 49 anos. O morador de Normandia precisa se deslocar até Boa Vista nos três dias da semana em que faz hemodiálise. Em razão de um cisto, que foi agravado após ter sido infectado pelo coronavírus, os dois rins dele deixaram de funcionar. Portanto, no caso dele, o tratamento não pode ser interrompido.
“Todo dia de sessão eu tenho que ir para Boa Vista, são 200 quilômetros e a estrada está ruim. Eu vou para não morrer mesmo. Se não pagarem a clínica, vão suspender todas as sessões, porque não vai ter dinheiro para pagar os funcionários e nem os materiais do tratamento. Estou desempregado e vivo do Bolsa-Família, só recebo R$ 400. Uma sessão de hemodiálise é uns R$ 200 nas clínicas privadas, eu não tenho como pagar se suspenderem tudo. Se eu não continuar as sessões, meu sangue vira água, posso acabar falecendo”, disse.
José relatou ainda que aguarda o transplante de rins na fila do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo ele, foi solicitado o Tratamento Fora de Domicílio (TFD) à Sesau há mais de um ano e meio, mas, até o momento, não teria conseguido. Inclusive, o paciente afirmou que havia marcado uma cirurgia de transplante em Santa Catarina, mas a teria perdido, pois o TFD ainda não havia sido liberado.
“Meus rins não prestam mais para nada, eles só trabalham quando eu faço a hemodiálise. […] Já fiz todos os exames duas vezes, mas não mandaram minhas passagens pelo TFD para eu ir para Santa Catarina para fazer o transplante em maio, já perdi a cirurgia. Eu não tenho dinheiro para fazer isso por conta […] Isso não é só comigo, tem gente que precisa mais que eu. Ainda consigo urinar um pouco, mas outras pessoas não urinam nada e dependem da hemodiálise para viver”, afirmou.
O paciente disponibilizou o número (95) 984287978 para quem se interessar em entrar em contato e oferecer alguma ajuda, para que seja possível realizar a cirurgia de transplante ou financiar sessões de hemodiálise em unidades de saúde privadas.
O agricultor Eudo Alves da Silva, de 39 anos, é diagnosticado com insuficiência renal e realiza sessões de hemodiálise três vezes na semana há mais de oito anos. Também morador de Normandia, ele reforça as dificuldades para manter o tratamento, mas enfatiza que é necessário continuar, pois depende das sessões para continuar vivo. Devido ao diagnóstico, ele informou que não tem mais condições de manter a rotina intensa de trabalho.
“É a maior dificuldade para chegar em Boa Vista. A gente depende dessa máquina [de hemodiálise]. Quando passa um dia sem fazer, a gente chega na clínica passando mal, se sentindo pesado. Ontem [11], não teve sessão, porque suspenderam, e hoje [12] já estou com fraqueza. Isso prejudica a gente, é a nossa saúde”, relatou.
O que diz a Sesau
A Sesau se manifestou a respeito da falta de pagamento à clínica, que ocasionou a suspensão das sessões de hemodiálise, por meio da seguinte nota:
A Secretaria de Saúde esclarece que TODOS os pacientes renais que necessitam de hemodiálise, estão recebendo o tratamento adequado, por meio do Hospital Geral de Roraima Rubens de Souza Bento e Hospital das Clínicas Dr. Wilson Franco.
Nos dias 10 e 11 de julho, por exemplo, o Hospital das Clínicas realizou 12 sessões de hemodiálise para pacientes que a Clínica Renal deixou de atender, enquanto o Hospital Geral de Roraima (HGR) realizou 48 sessões.
A Secretaria de Saúde informa que a ameaça de suspensão do serviço é conduta vedada no contrato. Conforme a Lei 8.666/93, que rege o contrato formalizado com a Clínica Renal, qualquer suspensão de serviço só pode ocorrer mediante 90 dias de atraso no pagamento.
Diante do exposto, a Sesau lamenta o pânico provocado pela Clínica Renal aos pacientes, em situação tão frágil de saúde, e assegura que seguirá adotando todas as medidas necessárias para prestar assistência integral e contínua aos doentes renais.
E esclarece que o pagamento à Clínica Renal não foi efetuado na quarta-feira em razão do SEI ter saído de operação por conta de falha na internet. O processo foi retomado nesta quinta-feira, dia 11.
Sobre a liberação do TFD de José, o órgão afirmou que, quando houver a confirmação da vaga de hemodiálise solicitada, pela Sesau, à unidade de saúde de Santa Catarina, o paciente receberá a passagem e a ajuda de custo do TFD para seguir seu tratamento fora do estado.
A liberação de Tratamento Fora de Domicílio (TFD) pelo Estado, conforme as normas do Ministério da Saúde, ocorre somente quando há disponibilidade de vaga em unidade credenciada ao SUS de outra unidade federativa.
O paciente José Ferreira de Sousa teve seu processo de atendimento iniciado no dia 28 de novembro de 2023 e passou pela junta médica no dia seguinte.
A Coordenadoria Geral de Regulação, Avaliação e Controle iniciou tratativas junto à Central de Regulação de Santa Catarina, que solicitou a realização de exames complementares. O órgão disponibilizou a consulta, mas ainda não havia aprovado a vaga de hemodiálise, critério necessário conforme a legislação, para que o paciente possa receber atendimento via TFD.
Tão logo haja a confirmação da vaga solicitada pela Sesau, o paciente receberá a passagem e a ajuda de custo do TFD para seguir seu tratamento fora do Estado.