Mais de 30 venezuelanos participaram ontem, 26, de uma nova ação referente ao plano de repatriação “Volta à Pátria”, anunciado pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em agosto deste ano. Outra ação similar está prevista para acontecer na manhã de hoje, 27, a partir das 7h da manhã.
Os atos estão sendo organizados por quatro empresários, três venezuelanos e um brasileiro, com o apoio do Consulado da Venezuela em Roraima e de funcionários do Palácio de Miraflores, sede da Presidência da Venezuela, situada em Caracas. O objetivo é auxiliar aqueles que desejam retornar para o seu país, mas não tem condições financeiras para arcar com as despesas.
Ontem, os 35 imigrantes saíram com seus pertences da Rodoviária Internacional em um ônibus fretado de Boa Vista até Pacaraima. A previsão é que o governo venezuelano assumisse o translado a partir de Santa Elena para deixar os imigrantes nas portas de suas casas, além de promover atendimentos médicos aos necessitados e fornecer alimentação.
“É uma forma de ajudar nossa gente que está na rua de forma vulnerável. Como essa viagem não estava programada, ele não vai com todos os lugares ocupados, mas a ideia é que amanhã os venezuelanos já saibam dessa saída”, explicou um dos empresários venezuelanos, Eric Gana.
A estimativa é que o transporte de venezuelanos até a fronteira seja mais frequente no Estado, com ônibus saindo pelo menos uma vez ao mês, informou o funcionário do Palácio Miraflores. Dependendo da necessidade, o número de viagens pode aumentar.
RETORNO À VENEZUELA – Mesmo dentro do ônibus e prontos para partida, alguns dos venezuelanos não tinham a compreensão do objetivo do plano de “Volta à Pátria”, que visa à permanência na Venezuela. A maioria afirmou que deve retornar ao Brasil.
O venezuelano Richard de Jesus Cardoso, de 24 anos, disse que chegou há um ano no Brasil. Saiu sozinho de El Tigre em busca de melhores condições financeiras e deixou a sua família para trás, quando a esposa ainda estava grávida. Em Boa Vista, começou a trabalhar vendendo e descarregando melancias na Feira do Produtor, ganhando R$ 20 por dia. A renda não era suficiente para si, nem para comprar uma passagem de retorno para visitar os familiares.
“Não dava para viver. Só para pagar almoço, merenda, mas não dava para pagar aluguel e não dava para ajudar a família”, contou.
O jovem, que ainda não conheceu a filha, disse que utilizou o transporte de retorno para Venezuela para visitar os parentes, mas que pretende voltar, arranjar um emprego melhor e depois trazer todos os membros da família. Sobre a sensação de reencontrar os familiares, o venezuelano se emocionou. “Não sei explicar. Agora vou conhecer a minha filha”, disse sorrindo.
Já a venezuelana Iuri Mendes, de 38 anos, informou que está no Brasil há cerca de sete meses. O motivo do retorno era o mesmo, voltar para ver o filho que está na Venezuela, aos cuidados da sua mãe.
“Quero voltar para casa para estar com meu filho, mas não sei se vou ficar lá. Aproveito essa oportunidade para que eles saibam que estou bem. Mas ainda volto ao Brasil, sei que a Venezuela ainda não está dando possibilidades de emprego e comida”, afirmou.
Iniciativas como esta são preocupantes, diz membro do CNDH
De acordo com Camila Asano, membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e da ONG Conectas, as ações de repatriação são muito preocupantes porque a própria Organização das Nações Unidas (ONU) e diferentes entidades de direitos humanos na Venezuela têm afirmado que não há condições de um retorno seguro.
“O fato do fluxo de saída de venezuelanos do seu país continuar acontecendo é uma prova de que não há essas condições de permanência. As pessoas que estão regressando teriam muita dificuldade de permanecer no país por conta da gravidade e crise humanitária. É por isso que essas iniciativas são muito preocupantes”, frisou.
Camila diz ainda que toda e qualquer decisão do retorno tem que ser voluntária e informada e por isso, é muito importante que essas iniciativas sejam esclarecidas, sobretudo com o Ministério de Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty), já que compete a ele as relações do Brasil com outros países.
Além disso, ainda há o fato de autoridades brasileiras estarem envolvidas com o processo de repatriação e, até mesmo, facilitando a ida de venezuelanos até a fronteira.
“Por isso é importante que haja o esclarecimento sobre esse suposto acordo entre os países e quais as garantias que estão sendo dadas na questão de informação aos refugiados”, completou Camila.
A Folha também entrou em contato com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), braço da ONU que realiza atendimento aos migrantes em Roraima sobre o assunto, mas o órgão informou que “não participou das negociações” de repatriação e, portanto, não tinha “o que comentar”. (P.C.)