A cena de faroeste caboclo protagonizada por dois policiais militares de folga, que trocaram tiros na madrugada de sábado passado, no bairro de Liberdade, na zona Oeste da Capital, não ganhou a devida repercussão. Mas essa ocorrência tem um importante significado dentro do cenário de criminalidade que avança em Roraima com envolvimento de policiais militares.
O cenário pode ser analisado à luz dos números das edições deste ano de 2024 do Anuário de Segurança Pública e do Mapa de Segurança Pública, que indicam zero ocorrência de mortes de policiais em serviço ou fora dele em Roraima, mostrando que os agentes públicos não são acossados pelos bandidos, embora haja relatos de trotes de ameaça feitos por adolescentes que, se não forem resgatados a tempo, serão cooptados pelo crime organizado.
Se as estatísticas mostram que os policiais, a seguidos anos, estão em situação confortável em relação às mortes fora de serviço, por confronto ou por lesão não natural, de outro os dados oficiais indicam que a questão da segurança pública não se trata necessariamente da falta de aplicação de recursos, pois o Anuário e o Mapa demonstram que no ano de 2023 as despesas com segurança pública ocuparam uma boa participação percentual no orçamento.
Em Roraima, as despesas com a área de segurança significaram quase 10% do orçamento do Estado, quando foi empenhado o valor de R$ 746.229.863,97. Esse montante está dentro da média nacional, em que as despesas com segurança pública ocuparam entre 3,8% e 15,2% do orçamento de todos os estados brasileiros. No entanto, há outra questão a ser analisada.
Assim como nas demais unidades da Federação, houve crescimento de 30% das despesas de pessoal no período de 2021 a 2023, engessando outros tipos de investimento. Outra situação é que, em Roraima, há uma Secretaria de Segurança Pública que não tem governança sobre a Polícia Militar, existindo praticamente uma pasta específica para a Polícia Civil.
Conforme o Anuário, essa divisão na pasta acaba por dificultar não apenas a administração do setor, mas também a transparência na aplicação de recursos, a política orçamentária e as decisões hierárquicas, em flagrante conflitos de interesse político e partidário dentro das duas instituições e do próprio governo em suas decisões.
Se há essa grande questão política e administrativa a ser resolvida, por outro lado é graças a esta divisão que a Polícia Civil tem ganhado força e autonomia para investigar policiais militares (além de outras ações, como foi o caso da prisão de dois sobrinhos do governador sob a acusação de tráfico de drogas), revelando que esta divisão neste momento crucial está sendo decisivo para expurgar os maus policiais.
Os especialistas ainda analisaram a relação entre as despesas com a segurança pública e com os demais setores que impactam na sociedade. “A quantidade de vezes que as despesas com segurança pública significaram em relação às despesas com outras áreas em 2023, confirma a escolha dos governos estaduais por políticas, programas, projetos, ações e serviços centrados na repressão, ostensividade e uso da força, à revelia da garantia do acesso aos outros direitos sociais de primeira ordem”, frisa o relatório do Anuário.
Colocando em palavras mais diretas, os especialistas apontam que os governos estaduais têm priorizado combater mais os efeitos da violência do que realmente as causas. As repetidas cenas de viaturas expostas ao redor do Palácio do Governo é o resumo dessa constatação. Não que o governo não deva investir na estrutura das polícias, e sim a necessidade de priorizar outros direitos, como “à habitação, meio ambiente, agricultura familiar, assistência social, ciência e tecnologia, cultura e cidadania”.
Como não há uma política de segurança pública uníssona, com conflitos políticos e partidários entre as hierarquias das polícias, a população roraimense segue assistindo ao faroeste caboclo entre PMs e à quase uma centena investigada por suspeita de participação em vários crimes.
*Colunista