No final do mês passado estive fazendo um curso de verão de gastronomia científica na cidade italiana de Reggio Emilia, organizado pelas Universidades de Parma e Barcelona para pessoas interessadas em iniciar o aprendizado na área.
Mas o que é a gastronomia científica?
Existem várias denominações conhecidas para a gastronomia científica, a mais difundida é gastronomia molecular, mas também chamam de alquimia culinária, cozinha de vanguarda, cozinha científica, cozinha progressiva ou cozinha experimental, entre outras.
Na realidade é a disciplina científica que estuda os processos físicos e químicos que ocorrem durante a preparação e o consumo de alimentos e é chamada de “gastronomia molecular”. É um campo de pesquisa acadêmica que busca compreender e explicar os fenômenos culinários em nível molecular. A aplicação prática do conhecimento científico à arte culinária é, por sua vez, a cozinha molecular. Muitos chefs utilizam as descobertas da gastronomia molecular para criar novos pratos, texturas e apresentações inovadoras. A gastronomia científica opera em um nível teórico com o objetivo de analisar as interações entre diferentes ingredientes e determinar seus efeitos e assim a cozinha molecular se torna sua expressão prática, na qual a experiência, a criatividade e a habilidade do chef são cruciais.
Foi a maior revolução da história da cozinha com novidades em técnicas,ingredientes, utensílios e ideias.
Durante o curso no CIRFOOD, que é uma cooperativa italiana líder na área de alimentação coletiva, comercial e serviços de bem-estar, fundada em 1992, na cidade de Reggio Emilia, tive aula com os principais atores que fizeram parte dessa revolução, o italiano Davide Cassi e o catalão Pere Castells.
A história da gastronomia científica começou oficialmente em 1992, e se estende até 2009, quando termina a grande era das experimentações.
O chef francês Hervé This, juntamente com o astrofísico britânico Nicholas Kurti e o jornalista americano Harold McGee, são, de fato, os fundadores dessa nova abordagem científica da cozinha.
É claro que cientistas e químicos sempre se interessaram pela comida e pela forma de cozinhá-la. Pelo menos desde o século XVIII, época em que o estudo da realidade começa a ser científico no sentido moderno através da identificação de um método. O método científico é baseado na observação e na experimentação.
Harold McGee, não é um cientista, mas um divulgador científico, que em 1984 publicou a obra-prima “Comida e Cozinha: Ciência e Cultura da Culinária”, um texto que se tornou referência, e os amantes da comida e os chefs profissionais de todo o mundo puderam finalmente ter respostas claras e científicas sobre a origem dos alimentos, aprender do que são feitos exatamente e também como a cozinha é capaz de transformá-los em algo novo e delicioso.
Em seguida, Nicholas Kurti, apaixonado por gastronomia, e movido pelo desejo de restabelecer os laços entre o mundo científico e o gastronômico, em 1992, aos 84 anos, reúne na cidade de Érice, na Itália, o jornalista Harold McGee, o chef Hervé This e um grupo de amigos cientistas, para discutirem juntos sobre gastronomia e ciência no primeiro congresso oficial de física e gastronomia molecular chamado “Science and Gastronomy”.
Esse congresso foi seguido por muitos outros que receberam o nome de “International Workshop on Molecular and Physical Gastronomy”, e ocorreram primeiro em Érice e depois, a partir de 2004, na Espanha e na França.
O que gerou em 1992 um movimento inovador que incorpora a ciência e novas técnicas na preparação, transformação e apresentação artística dos alimentos.
A ciência entra explicitamente na cozinha e a cozinha dá seus primeiros passos no mundo acadêmico e industrial, adquirindo autoridade. Um dos resultados mais admiráveis que esse movimento determinou é o surgimento de uma série de colaborações estreitas entre cientistas e chefs, no início dos anos 2000. Para citar algumas dessas parcerias: O físico Peter Barham, da Universidade de Bristol, se torna consultor científico para o chef Heston Blumenthal no restaurante “The Fat Duck”, na Inglaterra; o químico Pere Castells, começa a trabalhar com o chef Ferran Adrià no “elBulli”, na Espanha; e o físico Davide Cassi inicia sua parceria com o chef Ettore Bocchia do “Mistral”, na Itália.
A cozinha molecular introduziu uma série de técnicas inovadoras que redefiniram a experiência gastronômica, desafiando as percepções tradicionais de sabor, textura e apresentação.
Entre os exemplos mais representativos encontramos:
1. A esferificação: técnica desenvolvida por Ferran Adrià e que permite criar esferas de líquido envoltas em uma fina membrana gelatinosa.
2. A cozinha sous-vide: técnica aperfeiçoada por chefs como Joël Robuchon, que prevê o cozimento de alimentos selados em sacos plásticos imersos em água a temperatura controlada. O resultado são carnes incrivelmente macias e vegetais que mantêm cores e nutrientes inalterados.
3. O nitrogênio líquido na cozinha: o chef Heston Blumenthal tornou célebre com o uso do nitrogênio líquido.
A cozinha molecular também estimulou um novo interesse pela ciência dos alimentos entre o grande público: programas de televisão, livros de culinária e cursos dedicados à cozinha molecular proliferaram, educando os consumidores sobre os processos químicos e físicos por trás da cozinha. Por fim, essa revolução culinária encorajou uma maior experimentação e criatividade em todos os âmbitos da restauração, da alta gastronomia ao street food. Desafiou as convenções culinárias tradicionais, abrindo caminho para novas fusões de sabores, texturas e apresentações que continuam a influenciar a gastronomia contemporânea.
Em 2019, se reuniram na Universidade de Barcelona, chefs de cozinha e cientistas, entre eles, Pere Castells, Davide Cassi, Harold McGee, François Chartier, Mariana Koppman, chef Ferran Adrià, chef Joan Roca, para citar alguns, e firmaram um manifesto pela gastronomia científica como uma nova disciplina.
Desde então, sempre no mês de novembro, na Universidade de Barcelona, na Espanha, acontece o Congresso Mundial de Ciência e Cozinha – Science and Cooking World Congress. Este ano, a quinta edição será de 11 a 13 de novembro, com o tema Texturas.
Hoje estou apenas iniciando uma série de matérias sobre o curso que fiz e sobre gastronomia científica, além da minha participação como presidente no Brasil e membro honorário do grupo mundial de Ciência e Cozinha. Até a próxima semana com mais Letras Saborosas.