JESSÉ SOUZA

Pedido de galinhas e a fila da cesta básica como instituição política de longas datas

O que era para ser uma ação social para os mais pobres acabou se tornando grandes escândalos na política local (Foto: Divulgação)

Um pré-candidato foi até uma comunidade no interior falar de seus propósitos na política e recebeu uma proposta curta e grossa, sem rodeios: 100 galinhas em troca de todos os votos da família. Esse é o retrato 3×4 da realidade nos bastidores da política partidária brasileira. Ninguém sabe agora quem é mais corrupto, se o eleitor ou o político, nem quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha.

Não é à toa que os políticos adotaram no Estado de Roraima o instituto de distribuição de cesta básica como política oficial de compra de votos em forma mal disfarçada de política social. As mais recentes cassações de prefeitos e até do governador pela Justiça Eleitoral em Roraima foram por distribuição de cestas básicas entre as acusações.

Esse instituto começou lá atrás, na década de 1980, quando o povo era colocado em imensas filas ao redor do Palácio do Governo para receber buchada de boi, peixe e frango (chamávamos de galeto à época), além de fartos brindes e presentes, que incluíam brinquedos para as crianças no Natal, redes para adultos em datas festivas e até enxovais para as grávidas.

De lá para cá, a cesta básica se tornou uma forte moeda eleitoral, que hoje pode ser distribuída em alimentos na forma de cesta distribuída ao povo, conforme foi visto nas últimas campanhas eleitorais, inclusive na mais recente eleição suplementar no Município de Alto Alegre, ou em valores creditados em cartão magnético (que se tornou o cartão de crédito eleitoral).

Neste momento, estamos iniciando mais uma campanha eleitoral municipal com exemplos recentes de cassações por fartas doações de cestas básicas. E a Justiça Eleitoral no Estado vem dando seguidos sinais de que isso precisa não só ser freado, como também punido, com cassações de prefeitos e do governador.

Embora seja crime vender o voto, nenhum cidadão foi exemplarmente punido por negociar seu voto até aqui. No máximo, no dia da votação, os vendilhões de votos flagrados pela polícia são levados para um ginásio onde ficam até encerrar o pleito, sem mais complicações que possam servir de exemplo.

No entanto, não se trata apenas do pobre recebendo cesta básica em troca de votos. Da classe média para cima, existem outros tipos de negociatas: nepotismo cruzado, distribuição de cargos comissionados, pagamento de faturas de empresas e outras benesses que desafiam até o bom senso.

Entram na lista das negociatas a grilagem de terra, perdões de multas e dívidas, carros oficiais com tanque cheio passeando, passagens áreas, diárias para engordar o salário e até o fura-fila em tudo, de tratamento médico fora do Estado a um serviço público onde pobre precisa dormir na fila de espera. Tudo isso entra na lista da “cesta eleitoral” dos mais ricos.

A classe média também se satisfaz por ter pagamento em dia do salário dos seus familiares pendurados em algum órgão, mesmo sendo uma obrigação dos gestores pagar em dia. O farto duodécimo aos poderes também faz parte desse pacto informal para a elite do discurso do salário em dia, pois a essa parcela da população só interessa seus salários no fim do mês garantidos, com suas diárias e outras benesses. O resto que se dane.

O auge de pobres e ricos se deliciando com a venda de votos por meio de salários no governo foi o chamado “esquema gafanhoto”, no início da década de 2000, quando centenas de pessoas chegaram a receber sem trabalhar, cuja farra foi desmontada no dia 26 de novembro de 2003, com a Operação Praga do Egito, levando toda a elite política local foi parar no camburão da Polícia Federal direto para o presídio.

Embora alguns dos políticos terem sido condenados, inclusive alguns vivendo até hoje com tornozeleira eletrônica, os esquemas não pararam. Assim como já tivemos governadores cassados pelo esquema de distribuição de cesta básica (naquela época era chamado de Vale Alimentação) e outros esquemas, mas nem por isso os políticos aprenderam a lição.

O desenrolar dos fatos ainda tem muito a mostrar sobre a necessidade de moralizar a política. No passado, os roraimenses faziam uma vigília durante a madrugada esperando que algum candidato aparecesse para comprar seus votos, em um imoral feira-livre do voto. O cenário mudou, com os políticos reinventando a feira. As cassações vieram, mas nem isso foi o suficiente.

Quem sabe com novas e exemplares cassações os políticos se exemplifiquem e mudem seus comportamentos, com os eleitores passando a entender que é necessário mudar também. Senão, seguiremos na mesma situação, com pobres pedindo galinhas e ficando na fila da cesta básica, enquanto os ricos satisfeitos com o pagamento de seus salários e de suas benesses em dia.

*Colunista

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