Pode não haver nenhuma relação entre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu o pagamento das chamadas “emendas Pix”, com a forma de fazer política praticada em Roraima. Embora aparentemente não tenha qualquer relação, a decisão mexe no âmago de como os políticos constroem seus acordos e montam seus currais eleitorais que são decisivos a cada campanha eleitoral.
O artigo publicado no dia 11 de junho passado, “Do trisal em Alto Alegre ao título de campeã de emendas parlamentares em São Luiz”, tratou do assunto ao abordar a realidade do Município de São Luiz do Anauá, no Sul de Roraima, apontado como campeão em repasses do Congresso, fato este explicitado por uma matéria da revista VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896.
A minúscula cidade roraimense recebeu R$ 109 milhões de emendas parlamentares nos últimos quatro anos, 3 665% acima da média nacional per capita, tornando São Luiz o município brasileiro que mais recebeu repasses do Congresso Nacional, sendo 54% desses recursos por meio de “emendas Pix”. No entanto, aquela cidade segue padecendo dos mesmos sérios problemas enfrentados pelas localidades mais pobres, sem infraestrutura adequada e com a população desassistida dos direitos mais básicos.
Esse tipo de transferência significa que o dinheiro do Orçamento federal foi transferido por deputados e senadores diretamente ao município sem qualquer necessidade de ter uma destinação específica. No ano passado, São Luiz recebeu cerca de R$60 milhões via emenda Pix. É por meio desse esquema legalizado que os políticos roraimenses constroem seus acordos e montam seus redutos eleitorais, uma vez que não há transparência para saber se os recursos foram aplicados e onde foram utilizados.
Como não é possível fiscalizar, as “emendas Pix” seguiram até aqui como um grande duto de propinagem destinado ao enriquecimento ilícito e, também, para financiamento de campanhas eleitorais. É por isso que a suspensão das emendas pelo STF foi transformada em uma crise entre poderes, especialmente por estarmos em um período eleitoral, quando o dinheiro público é usado na compra de votos, como é de conhecimento de todos.
Enquanto boa parte desses recursos vai parar no bolso de políticos e seus aliados, resta muito pouco para realizar as obras que os municípios tanto precisam. Esse tema vem sendo tratado ao longo dos anos, inclusive ainda no dia 9 de maio deste ano pelo artigo “Das ambulâncias e mudas de café aos esquemas atuais nos municípios”, a respeito de um rumoroso caso ocorrido em 2001.
A forma legalizada de desviar recursos é uma prática antiga, que começa com o Executivo atribuindo ao próprio parlamentar o poder de escolher o destino a ser dado aos recursos de sua emenda, inclusive com o acesso do parlamentar direto ao sistema informatizado do governo. Logo, não tem como não resultar em esquemas, conforme já foi afirmado em outros artigos.
Então, a discussão não é sobre se o STF está ou não interferindo nas atribuições do Congresso, mas se o país vai continuar aceitando que recursos públicos destinados a melhorar a vida da população de municípios pobres sejam drenados para enriquecer políticos e bancar campanhas eleitorais.
*Colunista