Por Leo Daubermann
Mesmo antes de ser vegana, a servidora pública Thárin Gomes Radin, 30, já não comia carne vermelha. Não gostava do sabor, o cheiro do sangue a enojava, mas comia peixe, e frango. Há um ano e meio resolveu radicalizar, tirou complemente a carne de seu cardápio. “Ninguém da minha família é vegetariano ou vegano, mas, talvez por morar só, e não ter muita interferência das pessoas, foi relativamente fácil essa transição”, diz.
A servidora conta que não teve apoio de ninguém, nem da família, nem de um profissional. “Cheguei a consultar vários nutricionistas, mas todos disseram que não deveria deixar de comer carne, que se eu quisesse, poderia reduzir, intercalar com ovo, mas que teria que ingerir carne no mínimo três dias por semana, porque essa falta de carne no organismo iria prejudicar minha saúde. Foi meio que uma barreira, não tive orientação de ninguém, mesmo assim resolvi seguir com minha transição”, desabafa.
Mesmo antes de ser vegana, Thárin Gomes Radin, 30, já não comia carne vermelha (Foto: Nilzete Franco/Folha BV)
Thárin conta que passou a infância inteira doente, foi parar várias vezes em hospitais, praticamente duas vezes por semana, e só aos 20 anos descobriu o motivo. “Era cliente vip de hospital, passava uma semana bem e na outra comia algo que fazia mal e era hospitalizada, minha vida inteira foi assim. Aos 20 anos comecei a trabalhar, fiz um plano de saúde e consultei um alergista, foi quando descobri uma série de alergias e 90% delas eram de origem alimentar. Até então eu não tinha noção que era a alimentação a grande vilã”, diz.
“Agora procuro fazer minha alimentação em casa. Além de eu não comer nada de origem animal, sou intolerante à gluten, à lactose, ao chocolate, ao tomate, a alguns tipos de carne, a corantes, conservantes, então a minha alimentação tem que ser o mais natural possível. Tem coisas que são mais fáceis de achar, como feijão, outras nem tanto”, diz Thárin.
No início da transição, Thárin ainda comia ovos, mas logo percebeu que a ingestão estava a incomodando. “Já tinha cortado todo tipo de carne e cortei o ovo também. Você começa a comer coisas que o paladar é mais leve, o cheiro não é muito forte, você não precisa cozinhar tanto. A base da alimentação de todo o vegetariano, com relação a proteína, são as leguminosas: grão-de-bico, feijão, ervilha, lentilha, castanhas e oleaginosas de forma geral, cerais, semente de girassol, de abóbora, que é uma das principais fontes de ferro”, explica.
De acordo com Thárin, depois que ela muda a alimentação, deixou de ingerir produtos industrializados, que causavam alergia, ganhou qualidade de vida. “Mudei radicalmente, as pessoas se espantam e dizem que eu emagreci muito, mas não emagreci, desinchei, porque parei de ingerir alimentos que produziam essa reação inflamatória no meu corpo. Há muito tempo não tomo remédios, antes tinha uma farmácia em casa”, fala.
“Minha preocupação sempre foi com minha saúde, a questão do veganismo envolve coisas além da alimentação, não é só o fato de você não comer carne, o vegano levanta uma bandeira política, ainda estou engatinhando nesse ativismo”, confessa Thárin.
Ao contrário de Thárin, o comerciante Paulo Henrique Barbosa, 25, é um ativista. Vegano desde os 18 anos, há 10 meses abriu a primeira lanchonete de comida vegetariana e vegana de Roraima. A ideia de abrir a lanchonete surgiu meio que de uma necessidade, quando me tornei vegano não tinha nenhum lugar que eu pudesse sair para comer, que eu pudesse socializar, muitos lugares tinham poucas opções, normalmente a gente fica com o suco e a batata frita. Então, foi pela necessidade também de ser ativista pela causa”, explica.
Paulo e Thárin fazem parte do grupo Coração Verde, um grupo do WhatsApp que reúne vegetarianos, veganos e simpatizantes à causa. “Temos encontros todos os meses. Nesses encontros, geralmente, cada um leva um prato, comida vegetariana e vegana é super saudável, é bonita, atraente, vegano não come só folha, nossa comida é deliciosa, não se resume à mato”, diz.
Paulo Henrique Barbosa, 25, é um ativista. Vegano desde os 18 anos (Foto: Nilzete Franco/Folha BV)
“Sou vegano há sete anos, eu nunca tinha ouvido falar de vegetarianismo, veganismo e um amigo falou que um professor nosso era vegetariano. Aquilo ficou na minha cabeça, comecei a me perguntar o que era um vegetariano, fui pesquisar, vi que existia o termo vegano, e a partir daquele dia não consegui mas ‘disver’. Na minha família somente eu sou vegano, mas todos diminuíram bastante a quantidade de carne, eles também, de certa forma, se conscientizaram pela causa”, conta.
VEGANISMO – um estilo de vida que exclui totalmente o consumo de qualquer tipo de produto de origem animal. O principal objetivo da pessoa vegana é promover a chamada “libertação animal”, que significa a exclusão do consumo de todos os tipos de animais, seja na alimentação, no vestuário, no entretenimento e etc.
Por exemplo, os veganos não consomem produtos de empresas que fazem testes com animais ou que mantêm funcionários em regime análogo ao da escravidão. Não compram animais de estimação (adotam), não usam roupas feitas a partir de animais (lãs, peles, couros, sedas e etc) e não frequentam locais onde os animais são usados para o entretenimento (circos, touradas, rodeios e etc).
VEGETARIANISMO – O vegetariano, por sua vez, costuma limitar apenas a sua alimentação, seja por questões éticas ou de saúde. Mas, ao contrário dos veganos, os vegetarianos consomem produtos que sejam de origem animal, como roupas de lã ou sapatos de couro, por exemplo.
Os vegetarianos também costumam comer alimentos com derivados de animais, como leite, mel e ovos, mas não consomem a carne em si, como aves, peixes e crustáceos.
Existem diferentes níveis e tipos de vegetarianismo:
OPINIÃO DE ESPECIALISTA
A dieta vegana, de acordo com a nutricionista e máster coach Integrativa Sistêmica, Luciana Santana, é riquíssima em antioxidantes, agentes responsáveis por retardar o aparecimento de doenças. “Podemos ter uma alimentação nutritiva sem consumir carnes, ovos, leites e derivados sim, com certeza. Todos os aminoácidos e a maioria das vitaminas e minerais são encontrados facilmente em fontes vegetais”, explica.
Ainda de acordo com Santana, o único nutriente não encontrado nos vegetais é a vitamina B12, em sua forma ativa. Ela existe em alguns vegetais, porém em uma forma inativa, que não desempenha as funções corretas em nosso organismo. “A vitamina B12 é encontrada originalmente em bactérias. O animal que consome alimento direto do chão acaba tendo mais contato com as bactérias, retendo vitamina B12 em seu tecido”, destaca.
“Porém, ultimamente, como o animal não tem mais pastado e sim se alimentado exclusivamente de ração, a carne possui índices relativamente baixos de vitamina B12. Então, já encontro muitos pacientes que comem carne diariamente, mas que necessitam também de prescrição de suplementação de vitamina B12, ou seja, a suplementação não é exclusiva dos vegetarianos”, ressalta a nutricionista.
Segundo Santana, os nutrientes (vitaminas do complexo B, vitamina C, vitamina E, vitamina A, zinco, cálcio, potássio, magnésio, fibras, etc.) são amplamente encontrados no reino vegetal, distribuindo-se entre as leguminosas (feijões), oleaginosas (castanhas), grãos integrais, tubérculos, folhosas e frutas. “Na dieta vegana, o fato de não estar exposto diariamente a quantidades grandes de antibióticos, permite uma melhora da resistência imunológica.
“É necessário monitoramento semestral para conferir como estão os níveis sanguíneos, e havendo sinais de deficiência de Vit B12, o exame deve ser feito imediatamente, para assim verificar qual seria a dosagem necessária de vitamina B12 a ser manipulada. Ou seja, não é qualquer dose de vitamina B12 que pode corrigir a deficiência, é necessário um olhar individualizado. Mas isso não se restringe apenas a veganos. Pessoas que consomem carne diariamente, eventualmente, também necessitam de suplementação”, enfatiza Santana.
A nutricionista alerta para o fato de que o zinco é um nutriente que porventura pode faltar. “Se a alimentação vegana está sendo feita de forma correta, nem sempre o zinco fica carente. Sendo assim, unicamente a vitamina B12 precisa de maior atenção. Os outros nutrientes são facilmente encontrados na alimentação vegana”, fala.
“É verdade que o ferro presente nos vegetais não é tão bem absorvido pelo nosso organismo. O que podemos fazer para conseguir sua maior absorção é muito simples. Basta ter sempre de sobremesa uma fonte de vitamina C (laranja/acerola/abacaxi/morango/mexerica) ou então, temperar a refeição no momento da ingestão com o suco de 1 limão”, completa.