OPINIÃO

Fim do sigilo fiscal: Uma medida necessária ou excesso?

Rubens Savaris Leal*

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que obriga os bancos a compartilharem dados de clientes com as autoridades fiscais estaduais, reacendeu o debate sobre privacidade, fiscalização tributária e a proteção dos pequenos negócios. Essa decisão, apoiada por seis dos onze ministros, confirma a constitucionalidade de uma norma do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) que obriga as instituições financeiras a fornecer informações sobre transações realizadas via PIX, cartões de débito e crédito.

À primeira vista, a medida parece fortalecer a capacidade dos estados de combater a sonegação fiscal e garantir a correta arrecadação de tributos, especialmente o ICMS, essencial para a governança local. O voto da ministra Cármen Lúcia destaca a importância de modernizar a fiscalização tributária para atender às realidades de uma economia digital. No entanto, embora a decisão seja um passo em direção a uma arrecadação mais eficiente, ela gera preocupações quanto às possíveis consequências para pequenos empreendedores e microempreendedores, que operam com recursos limitados e frequentemente se beneficiam de incentivos fiscais.

Eficiência vs. Privacidade: Um equilíbrio delicado

A decisão do STF busca equilibrar a necessidade do Estado de melhorar a fiscalização tributária com a proteção da privacidade individual. O argumento de Cármen Lúcia, de que a medida não representa uma quebra de sigilo bancário, mas sim uma “transferência de sigilo” para as autoridades fiscais, tranquiliza ao afirmar que os dados serão tratados com responsabilidade. Segundo a decisão, as autoridades fiscais herdam a obrigação de proteger essas informações, utilizando-as exclusivamente para fins tributários.

No entanto, essa confiança nos sistemas estaduais levanta preocupações críticas. Enquanto grandes corporações podem dispor de recursos para garantir a conformidade com requisitos fiscais complexos, pequenos empreendedores — especialmente os microempreendedores (MEIs) — podem se ver sobrecarregados pelo aumento da fiscalização. Muitas dessas empresas dependem de regimes tributários simplificados, como o Simples Nacional, que já busca reduzir o fardo administrativo. Adicionar outra camada de exigência financeira, especialmente por meio de transações digitais automatizadas, pode sobrecarregar aqueles que carecem de conhecimento ou estrutura para se adaptarem.

O Impacto nos Pequenos e Microempreendedores

O setor de pequenos negócios no Brasil há muito é considerado o pilar da economia. Micro e pequenas empresas representam uma parcela significativa do emprego e da produção, mas também operam frequentemente em condições frágeis. Para muitos, a conformidade com as regulamentações fiscais existentes já é um desafio. A introdução de uma fiscalização adicional pode, involuntariamente, colocá-los no foco de uma fiscalização mais intensa, especialmente quando esses empreendedores muitas vezes trabalham com fluxo de caixa limitado e poucos recursos para planejamento fiscal.

Uma preocupação significativa é que os pequenos negócios possam sentir os efeitos dessa medida de maneira mais aguda do que as grandes empresas. O volume de transações que estará sob vigilância — principalmente as digitais — pode gerar o receio de excessos. Embora seja essencial combater a sonegação fiscal, os mecanismos de fiscalização precisam ser sensíveis à realidade das pequenas empresas, que podem não ter os meios para se defender de auditorias ou erros fiscais potenciais.

Um caminho a seguir

À medida que as autoridades fiscais avançam com a implementação desse novo nível de fiscalização, é indispensável que considerem a escala das operações com as quais estão lidando. Uma solução possível poderia ser uma abordagem escalonada de prestação de contas, onde as grandes corporações, com estruturas de conformidade mais robustas, enfrentariam exigências mais rigorosas, enquanto os pequenos negócios, incluindo microempreendedores, teriam maior flexibilidade e suporte para aderir às novas regras.

Além disso, o governo deve considerar os impactos de longo prazo de tal política na economia informal. Se os pequenos empresários temerem que serão penalizados por cada pequeno erro fiscal, podem se sentir desencorajados a transitar para formas mais formais e rastreáveis de transações financeiras. Isso enfraqueceria o objetivo do Estado de melhorar a transparência e a fiscalização tributária.

Embora o fim do sigilo fiscal possa ser visto como uma ferramenta necessária na modernização da arrecadação de tributos, o governo deve agir com cautela. Equilibrar a necessidade de uma fiscalização eficiente com a proteção dos pequenos negócios e da economia informal é essencial. É vital que, na busca por rigor fiscal, não se perca de vista a necessidade de cuidar e proteger os pequenos empreendimentos que são a espinha dorsal da nossa economia.

*Professor e coordenador do NAF-UFRR

Leia a Folha Impressa de hoje