Somente agora o Brasil pôde ter o seu “momento cadeirada” na política partidária. Roraima já teve seu momento no início do segundo semestre do ano passado, episódio comentado no artigo “As cadeiradas e os ouvidos surdos diante de fortes declarações públicas”, publicado em 6 de julho de 2023, cenas protagonizadas em uma pizzaria na área nobre da cidade entre o ex-deputado Jalser Renier e o deputado delegado Jorge Everton.
A cadeirada ao estilo briga de bar foi seguida de declarações públicas divulgadas por meio de um vídeo ao vivo (live) quando houve até acusação de venda/compra de votos na disputa por uma vaga do Tribunal de Contas do Estado (TCE), além de revelações sobre supostos pedidos de propina e ameaças de revelações que impactariam no comando da Assembleia Legislativa e no Governo do Estado. E tudo isso já foi esquecido pela opinião pública.
Agora surgiu o caso ocorrido no debate ao vivo, na TV Cultura, entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, em que o apresentador Datena deu uma cadeirada em Pablo Marçal, depois que este acusou o adversário de ter cometido assédio sexual contra uma jornalista e de desafiá-lo a cumprir a ameaça de agressão durante debate anterior.
Tornando-se o episódio mais comentado na mídia brasileira e nas redes sociais, com memes dos mais variados, desde domingo à noite, esta cadeirada traz em seu bojo algo muito mais amplo do que os escândalos na política brasileira. Trata-se, agora, de como o país e suas instituições vão lidar com um vigarismo digital que vai muito além do que já vimos até então protagonizado pela extrema direita.
Conforme foi amplamente divulgado, Marçal é uma mistura de coach, guru messiânico e empresário de negócios nebulosos que sabe a fórmula de engajamento nas redes sociais por meio de vídeos virais produzidos por cortes, ou seja, vídeos curtos para redes sociais que não têm nenhuma finalidade de fazer pensar, debater ou propor ideias, mas apenas com a finalidade de “lacrar”, suprindo a necessidade de amenidades e absurdos consumidos na internet.
Mesmo sendo um vigarista com longa ficha corrida, muitos não ligam porque não se interessam em saber de quem se trata, a exemplo de ter sido condenado em 2010 sob acusação de integrar uma quadrilha que desviou dinheiro de bancos, entre eles a Caixa e o Banco do Brasil, ajudando golpistas a conseguirem e-mails de pessoas que recebiam mensagem alegando inadimplência somente para roubar os dados desses clientes e também surrupiar o dinheiro.
Mas não é sua ligação com o vigarismo digital e até as fortes suspeitas de envolvimento com tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e o crime organizado o que mais preocupa, junto com o uso da mesma estratégia eleitoral da extrema direita, atacando a todos, desrespeitando principalmente mulheres e quem o contesta, comportamento chamado de “faroeste digital”.
O que realmente representa grande perigo é o fato de Marçal ser adotado como exemplo entre jovens e adolescentes que sonham ganhar dinheiro fácil na internet, do dia para a noite, ao se tornarem influenciadores digitais. Essa é a legião que o acompanha e que também são influenciados por sua outra estratégia de atacar fortemente o empoderamento das mulheres (comportamento chamado de “manofesra”, uma rede de comunidades masculinas machistas).
A estratégia de aliciamento de jovens e adolescentes se repete nos jogos on-line, em que o golpe tem o mesmo vigarismo de vender riqueza fácil, realidade esta que pode ser vista por meio de outro caso polêmico que vem sendo divulgado na mídia brasileira, nos últimos dias, que é a prisão de Deolane, outra influenciadora cuja riqueza suspeita-se ter vindo de jogos e de lavagem de dinheiro do crime organizado.
Da mesma forma que a extrema direita adentrou na seara das igrejas evangélicas, especialmente as neopentecostais, pregando medo ao “grande mal” e explorando a teologia da prosperidade, Marçal se coloca como a própria imagem da prosperidade, um novo messias que fala a língua oca de mentes fracas e influenciáveis por memes virais.
O vigarismo e messianismo digital da riqueza fácil saltaram dos memes (como ocorreu com outro messiânico tratado como mito) para o território fértil da política brasileira. Essa é a grande questão levantada por esta cadeirada e que precisa ser debatida abertamente. Em Roraima, a barulhenta cadeirada gravada em vídeo já foi até esquecida. Mas essa do Datena não pode cair no limbo da amnésia seletiva. Jamais!
*Colunista